O principal entrave à unidade antibolsonarista está na agenda econômica, por Daniel Samam


Como já escrevi por aqui, uma das perguntas que muita gente faz, é: por que diante de toda sabotagem no combate à pandemia, bem como toda a destruição promovida nos mais diversos setores, um processo de impeachment não avança contra Bolsonaro? Obviamente, há um conjunto de fatores e elementos que possibilitam este quadro. Um deles é que o presidente oferece dois pacotes a setores do establishment político arrebentado pela operação Lava Jato, bem como das elites e da turma do Mercado: 1. privilégio e impunidade; e 2. agenda neoliberal sob um projeto de poder autoritário.


Outro elemento é que hoje, na oposição que compreende setores da esquerda à centro-direita, cresce o que podemos chamar de antibolsonarismo, que tem capacidade de desgastar o governo no plano institucional, mas até então aquém da expectativa de mobilizar as ruas. Sem contar na agenda econômica, que é um elemento que impede uma maior coesão em prol da unidade antibolsonarista. Bem diferente do que ocorreu com o antipetismo, que avançou sobretudo pelo desejo das elites, do establishment político e financeiro de aprofundar o receituário neoliberal, junto da pecha de corruptos e do carcomido discurso do “fantasma do comunismo”.


A agenda neoliberal em voga no país desde a “ponte para o futuro” de Temer até o dono de offshore Paulo Guedes só é possível de ser aplicada por fora da democracia. E é sob esta lógica, de exceção democrática, que o Brasil está desde o advento da Operação Lava Jato. Fato que explica a adesão dos neoliberais ao bolsonarismo, ao fascismo à brasileira. Precisamos ter a clareza de que o neoliberalismo não quer eliminar o Estado, mas busca a submissão deste exclusivamente aos interesses do poder econômico.


Por isso é possível afirmar que os limites do antibolsonarismo estão na agenda econômica. Bolsonaro é o “malvado favorito” de setores importantes da economia nacional. Justamente porque ele, como todo fascista, não tem o menor constrangimento de literalmente “enfiar goela abaixo” do povo as pautas de devastação nacional como a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a autonomia do Banco Central, a Lei de liberdade econômica, a desregulação das normas de proteção ao meio ambiente, e o marco temporal na demarcação de terras indígenas. Um retrocesso que a direita tradicional e uma extrema-direita dita “civilizada” até deseja, mas não tem coragem de assumir e fazer.


Logo, a discordância e a divergência que estes setores do establishment podem ter com o bolsonarismo é puramente estética. Isso se comprova quando estes alardeiam os rompantes de golpismo e autoritarismo, mas se calam diante do desmonte estrutural do país e da destruição social. Por fim, são interesses de classe que explicam a hesitação em abandonar o governo e parte das elites políticas e financeiras terem Bolsonaro como opção à mesa em 2022.

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