Bolsonaro: o vislumbre do homem por trás do personagem, por Sérgio Batalha

Escrevi um artigo anterior demonstrando que o Bolsonaro que aparece em público é um personagem cuidadosamente elaborado. Sua aparência descuidada e o jeito brusco de falar compõem uma imagem para se identificar com as camadas populares. Bolsonaro seria, segundo esta imagem projetada, um “cara simples e sincero”, diferente dos políticos tradicionais.

O problema é que às vezes a aparência real teima em surgir por trás da máscara. Bolsonaro na semana passada aprovou um decreto que modifica as regras do cálculo do teto do funcionalismo público. O discurso oficial do governo é o de austeridade e corte de “privilégios” do funcionário público. Logo, esta mudança deveria ser para cortar algum privilégio e reduzir custos, certo?

Errado, na verdade, a mudança aumentou a remuneração justamente do topo da tabela, beneficiando o próprio Bolsonaro e os generais que ele levou para o governo. Com a nova regra, o presidente passou a ganhar 41 mil mensais e seu vice-presidente mais de 63 mil, atingindo também outras dezenas de oficiais superiores que ele nomeou para funções em diversos órgãos da administração pública. 

A medida, publicada no dia 30 de abril, prevê que o limite deve ser calculado separadamente sobre cada remuneração recebida cumulativamente por servidores civis e militares e beneficiários de pensões. Atualmente, quando o somatório das aposentadorias e salários recebidos ultrapassa os R$ 39,2 mil, aplica-se o chamado “abate-teto”, reduzindo o valor final do contracheque.

Com a nova portaria, é como se cada remuneração tivesse um teto próprio. Isso beneficiará militares da reserva e servidores aposentados que exerçam cargo em comissão ou cargo eletivo. Ou seja, um enorme benefício para quem já ganha um alto salário.

Assim, a austeridade é boa para os outros, mais especificamente para os funcionários que ficam na base do funcionalismo público, atendendo a população em hospitais, escolas e repartições. Ao próprio Bolsonaro e a seus aliados militares, nada como um bom e generoso aumento de salário.

Mas Bolsonaro não teria hábitos simples? Tem, mas apenas nas fotos que ele e seus filhos publicam nas redes sociais. Na vida real, eles gostam de luxo, especialmente quando não pagam por ele. 

No domingo do Dia das Mães, Bolsonaro fez um “churrasquinho” no Palácio do Alvorada. Postou as imagens de sempre com sunga à beira da piscina, aparentando despojamento. Mas deixou escapar uma foto com o churrasqueiro, uma “celebridade” entre os famosos, exibindo dois cortes de picanha “Kobe”, importada do Japão com o custo de mais de R$ 1.700,00 por quilo. 

Assim é o verdadeiro Bolsonaro, ostentando um consumo de alto luxo quando milhões de brasileiros mal conseguem comprar o que comer. Aumentando generosamente o próprio salário, enquanto corta direitos de trabalhadores e funcionários públicos. 

Este Bolsonaro, o verdadeiro, tem de ser conhecido por todos os brasileiros para que a imagem do falso morra, como um vampiro quando é exposto à luz do sol.

_______________________________________________________

Sérgio Batalha é advogado, professor universitário, especialista em relações de trabalho, além de conselheiro e presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RJ.

Nenhum comentário: