Impressões ao calor da hora: conjuntura fascistizante, por Daniel Samam


Tenho escrito muito, emitido opinião, mas também tenho lido e, sobretudo, escutado muito as pessoas nos últimos meses. E o que me chama atenção é que muita gente, dentre pessoas em geral, alguns militantes, dirigentes e referências no campo progressista e de esquerda, embora estejam preocupados com o atual governo, acreditam que nas eleições 2022 eles serão vencidos. Alguns acrescentam ainda que o Brasil vai aprender a valorizar a democracia.

Entendo que muitos tentam apontar um otimismo na análise, mas não podemos subestimar a destruição do tecido social e político, a liquidação da vida inteligente que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação, da ciência e tecnologia e do meio ambiente. Pode parecer um reles pessimismo. Mas costumo dizer que já cruzei a fronteira da angústia.

Debate-se muito o que é o fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, como por exemplo:

1) o fascismo necessita de apoio popular. Até a ditadura civil-empresarial-militar brasileira (1964-1985), por exemplo, contava com uma sustentação popular passiva. Sem contar que não houveram movimentos de caráter paramilitar. Hoje, há.

2) o recurso da violência. Ela deixa de ser um recurso do Estado, por meio das Polícias e das Forças Armadas; Ou seja, os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, se sentem autorizados a usar da violência contra o diferente, o outro. O que caracteriza o fascismo é ter uma militância radicalizada, que banaliza o recurso à violência. E essa violência é usada não só contra quem não gosta do governo, mas também de quem o governo não gosta.

3) o ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Em suma, o ódio à criação. Impera a mediocridade. É o ódio a todos os avanços políticos, sociais, culturais e ambientais.

Assim como em outros movimentos fascistas, Bolsonaro não admite o contraditório ou qualquer forma de organização, seja social seja de corporações públicas. É o que explica o fim dos conselhos, os ataques às instituições e às organizações da sociedade civil.

O bolsonarismo se orienta por um modus operandi pautado na disseminação do ódio e do medo para criar o caos e a destruição nacional. Além da estratégia internacional da guerra cultural, seguindo a lógica de que para mudar as bases de uma sociedade, primeiro você precisa destruí-la. Feito isso, a reconstrução se dará a partir de novas bases para uma nova sociedade (vejam “Privacidade Hackeada” na Netflix).

Ainda não é possível afirmar que estamos sob um regime fascista de fato, mas devemos apontar que a conjuntura é sim claramente fascistizante.

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