É o impeachment um instrumento democrático? Por Rui Roosevelt


A estrutura partidária brasileira, tal como está, possibilita a esquerda chegar ao poder central, elegendo o Presidente da República, porém não lhe permitindo governar com maioria, exigindo, para a sua governabilidade, dentro do marco constitucional, obrigatoriamente montar um governo chamado de coalizão, ou seja, alianças não programáticas com partidos de centro e até mesmo de centro-direita.

Todos os governos de centro-esquerda veem-se demarcados por uma linha imaginária estabelecida pelos partidos do centro que compõem o governo, fixando-se os limites à esquerda desse governo.

O governo de coalizão montado por Lula atuou dentro dos limites impostos pela grande maioria do centro, sendo o mais à esquerda  possível, governando para os pobres, sem tocar nos privilégios dos ricos. Atravessou o Mar Morto com vida.

Já o Governo Dilma, com a mesma coalizão, sofreu o impeachment não porque ultrapassou esses limites e nem porque cometeu crimes de responsabilidade – como descritos na Constituição – e, sim, porque se negou a implementar a agenda econômica internacional imposta pelos países centrais e pelo capital internacional em todo o mundo, tornando-se, sem razão de ser, um estorvo aos interesses da burguesia nacional naquele momento.

O instrumento do impeachment serve assim tanto para a burguesia controlar os governos de esquerda – principalmente nos países da América Latina, vide Brasil e Paraguai – como para se livrar  de seus legítimos representantes eleitos à frente dos governos,  que se mostrarem incompetentes para alavancarem seus interesses propostos, vide Collor de Mello.

Isto posto, reconheço que o Governo de Bolsonaro, enquanto presidente eleito dentro das “regras democráticas” – até onde podemos qualificá-las assim – ultrapassou todos os limites com suas esdruxulas declarações e atitudes durante o seu curto período à frente do governo – principalmente essa última sobre o assassinato de Fernando Santa Cruz.

Esta semana, com as reiteradas denúncias do Intercept Brasil e os hackers de Araraquara, somados aos agravos de Bolsonaro e a incapacidade de sua equipe econômica de resolver os impasses da agenda ultraliberal que o elegeu, é certo que setores da burguesia começaram a se movimentarem, no sentido  de criarem o clima necessário na sociedade civil para o seu afastamento – Doria, Reale Júnior (está faltando a Janaina) – e tentar resolver o problema de rota no terreno econômico e da coesão das forças conservadoras.

Instrumentalizado o impeachment, tal como é previsto na Constituição de 1988, por crime de responsabilidade, ele será submetido a um tribunal parlamentar, sujeitando à interpretação política e não jurídica de uma maioria momentânea, que não visa nenhum interesse de aprofundar e aperfeiçoar os mecanismos democráticos, senão apenas a corrigir seus próprios erros e escolhas eleitorais.

Temos de ter claro que o nosso principal inimigo é o projeto da grande burguesia financeira, agrária e industrial que controla os poderes do Estado em seus próprios benefícios e não somente o chefe do Estado do momento.

Não há a menor possibilidade, neste momento, do impeachment de Bolsonaro alterar a correlação de forças em favor dos setores populares, ou impedir o andamento da agenda econômica ultraliberal, dentro dos marcos constitucionais.

Com a saída de Bolsonaro, assume seu vice Hamilton Mourão, que tem a mesma agenda e os mesmos pressupostos conservadores. Não nos iludamos.

Contra a vulgarização, banalização e naturalização do instrumento do impeachment, como método de destituir governos eleitos, a esquerda, neste momento, deve-se contrapor com a defesa de novas eleições. Nenhum acordo deverá ser possível de ser aceito sem novas eleições.
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Rui Roosevelt é economista aposentado. Foi dirigente da executiva nacional da CUT e do PT estadual do Rio de Janeiro.

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