Nota da Organização "Direito Para Quem?" sobre a morte de Marielle Franco


"Direito Para Quem?" é uma rede de ativistas que atuam no campo jurídico-social, sendo muito marcante no grupo a defesa dos direitos humanos e a crítica ao Poder Punitivo. Por conta deste perfil do grupo, muito antes de sua eleição para vereadora nossos membros já tinham muito convívio com Marielle Franco, vítima de homicídio na noite do dia 14/03/2018.

Quem a matou, exatamente como, e por que razões, somente uma investigação isenta pode indicar. Mas as questões mais importantes envolvendo a morte de Marielle não dependem de quem matou, como matou, e porque matou. Trata-se do contexto de sua morte.

Marielle era relatora da comissão da Câmara de Vereadores criada para acompanhar a intervenção militar federal no Rio de Janeiro. Marielle estava apresentando fortes denúncias de abusos de poder e violência praticados na área do Batalhão da Polícia Militar campeã de homicídios, especialmente homicídios decorrentes de intervenção policial. Marielle era a única vereadora cuja marca era ser mulher, preta e favelada na Câmara de Vereadores de uma cidade onde essa condição é marcada pela dor e pela invisibilidade. Marielle era uma das mais votadas vereadoras numa cidade que é palco histórico de resistência democrática em tempos de autoritarismo.

Os defensores de direitos humanos e críticos do golpe de 2016 já tem se sentido caçados há algum tempo nesse ambiente de ódio, intolerância e conservadorismo que tem pairado no Brasil. Aos mais destacados a defender tais bandeiras, ameaças e constrangimentos têm sido frequentes. Aos mais destacados de nossos ativistas a recolher denúncias de abusos, somam-se ainda tentativas de criminalização, especialmente quando envolve moradores de favelas.

Estamos convencidos de que o Brasil mergulhou em tempos de golpe, repressão, subtração da democracia e ausência de garantias, constantemente vilipendiadas pelo próprio guardião da Constituição Federal. Temos a convicção de que, a pretesto de se fazer justiça a Marielle e seus familiares, os golpistas e autoritários tentarão responder com mais incremeto de poder punitivo,  com penas maiores, mais encarceramento, mais polícias e intervenções, mais confrontos, em detrimento da liberdade não apenas dos autores do crime, mas de toda a clientela preferencial do Estado Policial, estigmatizados pela classe social, pela cor da pele, pelo bairro onde moram. A morte de Marielle não "desafia" a Intervenção militar federal - é filhote da intervenção. A que serve essa intervenção militar? Garantir segurança e liberdade aos cidadãos? Ou será que é para garantir segurança e liberdade somente àqueles autoritariamente escolhidos pelo Poder Constituído como "cidadãos de bem"? A mulher, preta, favelada e atuante na defesa de direitos humanos em tempos de repressão autoritária não estava entre os eleitos como "cidadãos de bem", mesmo sendo vereadora. A que e a quem essa intervenção está servindo?

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