"Sob estado de exceção, Brasil resiste", afirma o sociólogo Boaventura de Sousa Santos

Artigo originalmente publicado no Outras Palavras, Antônio Martins.


Diante da invasão policial truculenta, arbitrária e ilegal (sem mandado judicial) da sede da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), na manhã desta sexta-feira (04/11), em Guararema (SP), manifestamos solidariedade pública ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a uma de suas conquistas mais simbólicas e irradiadoras na árdua luta por justiça social e fraternidade. Inaugurada em 2005, a ENFF se constitui como espaço de encontros, formações e intercâmbios que contribuem significativamente para a ampliação e o fortalecimento da atuação de movimentos sociais – não apenas do Brasil, mas da América Latina e de outros continentes. Ao longo de sua existência, a ENFF vem servindo como referência para a construção de conhecimentos populares e autônomos, promovendo a articulação com dezenas de universidades de vários países, inclusive com o próprio Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC).

Por volta das 9h30 da manhã, a escola, que abrigava dezenas de participantes vindos de mais de 30 distintos países do mundo, foi brutalmente invadida por policiais civis do Grupo Armado de Repressão a Roubo do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (GARRA/DEIC). De acordo com relatos de testemunhas, sem apresentarem mandado, e já depois de serem informados de que a pessoa procurada não se encontrava presente, invadiram o local saltando por cima de um dos acessos, como mostram imagens registradas pelas câmeras de segurança. Armas de fogo foram disparadas para o chão (cujos estilhaços terão chegado a causar ferimentos numa das pessoas presentes) e registaram-se duas prisões por desacato. Um dos detidos, Ronaldo Valença, atua de forma voluntária como professor da ENFF, tem 64 anos e sofre de Mal de Parkinson. Durante o ataque policial, foi imobilizado e agredido e acabou por ser conduzido à delegacia local junto com uma artista que agiu no sentido de tentar protegê-lo.

Esta ação de intimidação e criminalização de um dos mais importantes movimentos sociais do Brasil e de todo continente ocorre num contexto mais amplo de intensificação de ataques a direitos, impulsionado pelo recente golpe parlamentar, jurídico e midiático que culminou com uma troca ilegítima no comando do Executivo Federal e na adoção de uma agenda regressiva e conservadora levada a cabo pelo contestado governo atual. Nos últimos tempos, no Brasil, repetem-se notícias e ocorrências de perseguições e criminalização de movimentos e organizações sociais, de cerceamento da liberdade de expressão e manifestação política por parte de artistas, estudantes e professores, bem como de desrespeito de direitos fundamentais, reforçando um quadro repleto de traços daquilo que temos denunciado amplamente como “fascismo social”.

Exemplos da vigência desse estado de exceção são abundantes: a prisão de um ator de teatro da Trupe Olho da Rua, em 30 de outubro que, enquanto encenava uma peça crítica à Polícia Militar numa praça de Santos (SP), foi interrompido e algemado por policiais que discordaram do conteúdo artístico; o caso do professor da Universidade Estadual de Goiás (UFG), preso e algemado dentro da universidade ocupada em 2 de novembro, também ela invadida por policiais sem mandado judicial para desocupá-la à força; e a célebre determinação de um juiz da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), também a 30 de outubro, autorizando o uso de técnicas de tortura psicológica contra estudantes secundaristas que ocupavam as escolas, incluindo “instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”.

Enquanto isso, mais de mil escolas estão sendo ocupadas por estudantes secundaristas e mais de 150 universidades seguiram o mesmo caminho, nas mais diferentes regiões do país, contra as medidas apresentadas pelo governo do presidente Michel Temer não somente para a área da educação, mas também para todo o conjunto de políticas sociais que serão constrangidas pela PEC 55 (antiga 241, quando tramitou na Câmara dos Deputados), prestes a ser votada no Senado, que propõe um congelamento de investimentos públicos orçamentais do governo federal por um prazo de 20 anos.

Frente a esse panorama de sucessivos ataques às bases do Estado democrático de direito, não podemos nos silenciar: além de repudiar a absurda e desmesurada violência perpetrada contra a ENFF, as vítimas desse episódio desastroso de ataque policial e a tudo o que a escola simboliza, reafirmamos e apoiamos os direitos do MST e dos demais movimentos sociais de se manifestarem e de se organizarem de forma livre, democrática e autônoma, pois entendemos que “Lutar não é crime!”.

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