Igreja Católica racha por conta da eleição no Rio de Janeiro

Matéria originalmente publicada na revista Carta Capital.


A Igreja Católica está dividida na eleição municipal do Rio de Janeiro, disputada entre Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL), e o debate tem ganhado contornos que lembram campanhas de católicos conservadores contra o comunismo nos anos 1950, 60 e 70.

O mais recente episódio envolve o principal nome da Igreja no estado, o cardeal arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta. Apesar de anunciar “neutralidade” no segundo turno, Orani tem incomodado setores progressistas da comunidade católica por permitir que auxiliares e padres conservadores apoiem Crivella, bispo da Igreja Universal, e ataquem Freixo duramente, enquanto repreende os padres e líderes que apoiam o candidato do PSOL.

Na tarde de segunda-feira, um grupo de 13 padres, uma freira e 761 lideranças católicas divulgou uma nota sob o título Católicos/as com Freixo

O grupo de padres e líderes das paróquias e pastorais sociais que declararam apoio a Freixo anunciaram fazê-lo “no horizonte do Evangelho da Libertação, da efetivação de uma Igreja em saída” (como compreende o papa Francisco) e da antecipação do Reino de Justiça e paz inaugurado por Jesus Cristo”. Eles convocaram um encontro de católicos e católicas com o candidato nesta quarta-feira 26 às 17h na Cinelândia, centro do Rio.

Na noite de terça-feira 25, veio a resposta da Arquidiocese, em uma Nota de esclarecimento assinada por Orani, cinco bispos e 11 vigários episcopais (auxiliares diretos do cardeal).

Na resposta, a nota pró-Freixo foi condenada com veemência, acusando os signatários de causar “o escândalo da desunião” e indicando as prerrogativas para o apoio a qualquer candidato: condenação ao aborto e à eutanásia, ao “anarquismo e terrorismo” e ao divórcio; finalmente, a cúpula católica diz que tais candidatos precisam manifestar apoio ao “matrimônio monogâmico entre pessoas de sexo oposto”.

Enquanto condena os católicos a favor de Freixo, lembram os setores progressistas católicos do Rio, a Arquidiocese não se manifestou até agora em relação à campanha de líderes conservadores como o padre Nivaldo Junior, Vigário Episcopal Suburbano. Junior tem estampado na capa de seu perfil no Facebook as seguintes frases: “Um dos dois vai ganhar... Só sobraram dois... Não anule seu voto! Não voto no socialismo."


A timeline do vigário é quase que inteiramente dedicada ao combate à candidatura de Freixo e da esquerda católica. Num post no dia 20, ao condenar um anunciado encontro de católicos com Freixo, com a presença do teólogo Leonardo Boff, escreveu: “Definitivamente passando dos limites! Leonardo Boff não representa os católicos! Tá uma vergonha essa mentira toda! Acorda Católico! E uma série de tags como #NãoVoteNoPsol, #DigaNãoAoSocialismo, #DigaNãoAoComunismo, #BoffNãoRepresentaAIgreja, #EleRompeuPublicamenteComAIgreja.

Leonardo Boff, ex-frade franciscano, é hoje um dos teólogos mais consultados pelo papa Francisco.

Outro padre, Augusto Bezerra, que tem programa na Rádio Catedral, da Arquidiocese do Rio, publicou em seu perfil no Facebook, em 24 de outubro, uma declaração aberta de voto em Marcelo Crivella: “Enquanto cidadão livre que sou, usando dos critérios de minha fé e do pensamento crítico, opto pelo mal menor e voto útil contra Freixo diante das garantias públicas dadas pelo Crivella", escreveu.

As relações entre a direita católica e Marcelo Crivella têm causado constrangimentos à Arquidiocese, que se apresenta como “neutra” na disputa. Há uma semana, depois que a campanha espalhou na cidade panfleto com uma foto sua ao lado de dom Orani, o bispo auxiliar Dom Antonio Augusto afirmou à imprensa que “não houve autorização para o uso da imagem do cardeal”.


A rejeição oficial chamou atenção pelo tom mais ameno empregado em comparação com a nota contra os próprios católicos que apoiam Freixo.

Dom Orani já tinha causado constrangimento à Igreja no Brasil ao liderar uma comitiva integrada pelo cardeal de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer e alguns bispos a Michel Temer em 10 de outubro último – dia da votação em primeiro turno da PEC 241 (que congelas gastos sociais federais por 20 anos) na Câmara dos Deputados.

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