Moradia, a primeira vítima de Temer


Artigo publicado hoje (23), na Folha de S.Paulo:

"Começou a temporada de caça aos programas sociais. Alçado ao Palácio do Planalto sem ter recebido sequer um voto, Michel Temer busca implementar um programa que tampouco foi legitimado pelas urnas. A primeira vítima, junto com a cultura, foi o direito à moradia.

O Ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), estreou no cargo cancelando a contratação de 11.250 casas que já estavam aprovadas. Com uma canetada irresponsável, atacou o sonho e a luta de milhares de famílias por morar dignamente.

O argumento utilizado foi "estudar os documentos para saber se está tudo certo". Ora, ora, alguém precisa avisar a Araújo que dois dos últimos ministros das Cidades -e responsáveis pelos contratos do programa- são seus colegas na Esplanada, um agora como Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Gilberto Kassab) e o outro como presidente da Caixa Econômica Federal (Gilberto Occhi). A auditoria é neste caso um pretexto mal disfarçado para atacar conquistas sociais.

É sintomático que o cancelamento dos contratos tenha se voltado principalmente contra a modalidade Entidades do programa, na qual os futuros moradores gerenciam o projeto e a obra. 

Impressiona a ignorância contida nos ataques ao Minha Casa, Minha Vida, na tentativa de justificar os cortes. Primeiro, o argumento orçamentário. A modalidade Entidades responde por menos de 2% de todo o recurso do programa, motivo aliás de enfrentamento constante dos movimentos com a presidente Dilma Rousseff. Não há qualquer impacto relevante nas contas públicas, o que deixa claro que a decisão de cancelar os contratos é muito mais política do que econômica.

Segundo, a acusação de que o Entidades representaria uma forma de financiamento dos movimentos sociais. Alguém que conheça as regras do programa não poderia dizer isso de boa-fé. Os repasses são vinculados aos custos com terreno e obra.

O pagamento do terreno é feito pela Caixa diretamente aos proprietários. E o da obra só é liberado após medições técnicas mensais que confirmem a execução do serviço. Se querem buscar irregularidades, deveriam procurar em obras gerenciadas pelas empreiteiras, com 98% dos recursos e qualidade inferior.

Aí está o terceiro e mais importante ponto, o da "eficiência e qualidade". Pois bem, as moradias realizadas por gestão direta dos beneficiários, organizados em movimentos sociais, estão simplesmente entre as melhores e maiores do programa. São dados. Esperamos que o ministro os localize em sua "auditoria".

Tomemos o condomínio João Cândido, na região metropolitana de São Paulo, realizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). É a maior unidade habitacional da faixa 1 do programa no país.

Os apartamentos têm 63 m², varanda e três dormitórios, construídos com o mesmo valor com que as empreiteiras fazem "caixinhas" de 39 m². Os prédios têm elevador, salão de festas e playground.

É com isso que querem acabar. Exatamente pelo que simboliza: a potência da organização popular. O ranço autoritário não admite o papel dos movimentos sociais, sua autonomia e realizações. Gostariam que não existíssemos e por isso tentam nos atacar e desmoralizar.

A narrativa de Temer sobre a "pacificação do país" e a manutenção dos programas sociais não durou nem uma semana. Seu governo já enfrentaria de todo modo resistência nas ruas, por ser fruto de um golpe parlamentar.

A moradia foi o primeiro alvo. Os sem-teto saberão responder à altura, com mobilizações intensas em todo o país. Não se brinca com o sonho do povo."

Natalia Szermeta, 28, membro da coordenação do MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de São Paulo.

Sergio Farias, 44, membro da coordenação do MTST Ceará.

Vítor Guimarães, 25, membro da coordenação do MTST - Rio de Janeiro.

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