"Dilma, Vargas e o zepelim" por Guilherme Boulos (MTST)


A Geni de Chico Buarque acostumou-se em ser atacada a pedradas por onde quer que passasse. Até que um dia, com a chegada do zepelim, teve a oportunidade de enfrentar seus agressores, mas preferiu ceder. Talvez com a esperança de apaziguá-los ao fazer sua vontade. Mal foi embora o zepelim, as pedradas vieram em dobro e com fúria ainda maior.

Dilma apanhou da direita durante todo o ano de 2014. Teve dificuldades para aprovar qualquer coisa no Congresso, viu o ministro Gilmar Mendes acusar o bolivarianismo e boa parte de sua base aliada migrar para a candidatura de Aécio Neves (PSDB). Sofreu um massacre midiático escandaloso durante a campanha eleitoral. E, mais que tudo, viu parte da elite econômica que tanto ganhou nos governos petistas segurar investimentos e fazer a bolsa oscilar a cada pesquisa de intenção de voto.

Ganhou as eleições, num clima de mobilização social e com um discurso mais à esquerda. Os comícios do segundo turno mobilizaram uma base social e militante em defesa de mudanças e contra o retrocesso. Dilma, ao invés de apoiar-se nesta base para propor mudanças progressivas, decidiu fazer a vontade dos derrotados e encarnar o retrocesso.

Acreditou que apaziguaria a direita dando-lhe boa parte dos ministérios e entregando a gestão da economia ao Bradesco. Caiu no conto da Geni. A posição da maior parte da mídia contra seu governo permanece intacta e o Congresso Nacional irá extorqui-la a cada votação até o limite. Sem contar a ameaça real de eleger o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidente da Câmara na próxima semana, o que tornará sua “governabilidade” ainda mais conservadora.

Deveria ter aprendido com o trágico fim de Getúlio Vargas. Vargas retornou à presidência em 1951 após eleições com grande mobilização popular no ano anterior. Mas diante de um parlamento hostil –como Dilma– optou por desmobilizar as forças que o elegeram e compor um ministério ao agrado das elites mais atrasadas.

A pretensão de apaziguamento fracassou. Carlos Lacerda tramava um golpe por dia, usando a imprensa a seu favor. O parlamento é seu próprio ministério inviabilizaram o programa de governo.

E quando decidiu, em 1953, romper o cerco com medidas populares –criação da Petrobras e Eletrobras, limitação da remessa de lucros e aumento de 100% no salário mínimo– já não podia mais contar com sua base de apoio, desmobilizada por ele próprio. Atacado por todos os lados, restou-lhe o suicídio em 24 de agosto de 1954.

O que esteve em questão, tanto em 1950 quanto em 2014, foi a atuação de uma elite que não tolera concessões e quer sempre mais. Não aceita regulamentar seus privilégios, mesmo que os mantenha. Não aceita mobilidade social, mesmo permanecendo no topo. Não aceita que alguém governe por ela, mesmo que em nome de seus interesses. A denúncia lacerdista do “mar de lama” é sua política, ontem e hoje. O monopólio da mídia e a chantagem parlamentar são seus instrumentos.

Pontuemos bem os fatos. Dilma não deu uma guinada da esquerda para a direita. Os governos petistas, de Lula a Dilma, nunca foram propriamente de esquerda. “Menas”, disse ela na campanha quando confrontada com palavras de ordem socialistas de seus apoiadores. Em momento algum dos últimos doze anos foram pautadas as reformas necessárias para combater as desigualdades estruturais da sociedade brasileira.

Mas mesmo uma tímida política social e algumas pitadas de desenvolvimentismo na economia são inaceitáveis para esta elite financeira e seus aliados. Querem mais. Querem neoliberalismo puro sangue, aumento da taxa Selic todo mês e superavits estratosféricos para pagar os credores da dívida, diga-se de passagem, eles próprios.

Querem um plano para privatizar a Caixa Econômica Federal e reduzir direitos trabalhistas. Querem também um ajuste fiscal rigoroso que corte investimentos sociais.

Em três meses pós-eleições, Dilma fez ou anunciou tudo isso. Se pretendeu com isso buscar um ponto de Arquimedes e ganhar segurança para alavancar futuros avanços políticos, faltou-lhe a memória da tragédia de Vargas. A elite brasileira vai querer sempre mais. Sempre haverá um novo direito a atacar, um novo corte a fazer e 0,5% de juros a aumentar. Sempre haverá um Eduardo Cunha e ameaças de CPIs como chantagem.

O cerco permanecerá firme e forte, insaciável. Na história política brasileira, um passo atrás não costuma ser seguido de dois à frente, mas sim de novos recuos. Que o diga Geni com suas pedradas.

(*) Guilherme Boulos, 32, é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do livro “Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto”.

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