A “gourmetização” da informalidade, por Sergio Batalha

Ontem assisti ao início de uma matéria no “Globo Repórter” sobre os entregadores. Não consegui assistir até o final, indignado com a tentativa da Globo de esconder o resultado da informalidade no mercado de trabalho.


A reportagem abordava apenas os aspectos “edificantes” do trabalho dos entregadores, como eles tinham de manter o preparo físico, o esforço de trabalhar em uma jornada longa pelas ruas e a busca pela recolocação após o desemprego. Sobrou até um aceno para a comunidade LGBT, com a abordagem de um aplicativo que contratava apenas entregadores LGBT.


Nem uma palavra sobre a remuneração indigna dos entregadores, obrigados a trabalhar por mais de doze horas para receber às vezes menos de um salário mínimo por mês. Nada sobre os frequentes acidentes com mortes e ferimentos graves. Nem um caso de entregador que sofreu pela falta de direitos trabalhistas e previdenciários, consequência da informalidade.


O “Globo Repórter Especial” sobre os entregadores foi, na verdade, uma matéria publicitária das empresas de entregas por aplicativo na Globo. Uma vergonha para o jornalismo sério e comprometido com a notícia. É simplesmente desonesto fazer uma matéria jornalística sobre entregadores e deixar de abordar os aspectos negativos deste trabalho, especialmente em função da informalidade que domina o setor.


O trabalho informal não é bonito ou edificante. É o resultado do desespero de um trabalhador que precisa sustentar sua família. Trabalhador informal não é “empreendedor”, é apenas uma pessoa que não teve a oportunidade de conseguir um emprego formal com uma remuneração digna e todos os direitos trabalhistas e previdenciários.


Os prejuízos do trabalho informal são suportados por toda a sociedade, começam pela redução da massa salarial, passam pela percepção de benefícios como o bolsa família para atenuar a pobreza e estouram no SUS, que é sobrecarregado com trabalhadores doentes e acidentados por condições de trabalho insalubres e perigosas.


De uma vez por todas, o trabalho informal só é bom para quem o explora, engordando seus lucros à custa da miséria do trabalhador. O trabalho bom é aquele que dá direitos e uma remuneração digna ao trabalhador.


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Sérgio Batalha é advogado, professor universitário, especialista em relações de trabalho.

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