Museu como um Espaço de Grandes Novidades e Disputas Políticas, por José do Nascimento Junior

 Museus como espaços de grandes novidades e disputa politica.

E da memória.

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Karl Marx e Lenine, ambos frequentaram a biblioteca do museu britânico, cujo espaço de estudos e reflexão, viraram inspiração museológicas mais tarde.


“È certo que a arma da critica não pode a substituir a critica  das armas, que o poder material, mas a teoria converte-se em força material quando  penetra nas massas”. Karl Marx

 

Resumo: O presente texto não tem pretensão em ser uma analise biográfica, mas tem como inspiração um outro texto escrito à algumas semanas no qual se abordou questões sobre as posições políticas do mundo dos museus e de seus profissionais, e do campo museal de forma geral. Esse é um estimulo para visiolizarmos como o Museu Britânico, fundado em 1753, foi um conjunto significativo de coleções, onde a Biblioteca do museu teve um importante espaço de estudos para diversos intelectuais a partir da sua abertura em 1857, proporcionando no Século XIX um espaço para o museu como local importante de encontro e reflexão para Karl Marx e Engels, e mais tarde Lênin, na Londres da época. Suas presenças foram tão marcantes que os locais de moradia em Londres viraram casas-museus, numa clara demonstração que as elites sabem usar a memória da “esquerda” como disputa da memória social de estratégia política, alijando da “esquerda” a importância dos seus pensadores diante da sua inércia em preservar e manter sua memória política viva. É evidente tal disputa da memória política da esquerda porque Karl Marx e Engels, e Lênin, pesquisaram na Biblioteca do Museu Britânico, consultando suas coleções, apropriadas nas ações colonialistas dentro e fora da Inglaterra e da Europa, tornando-se parte integrante do acervo do Museu Britânico ao serem levadas por Sir Thomas Bruce após pilhagens realizadas em todo o Mundo. Tal ambiente despertou o olhar critico desses intelectuais porque mostra o quanto os temas da memória são uma disputa de hegemonia entre as elites e os grupos de esquerda, que não tem nos temas da memória uma visão estratégica para disputar a hegemonia com elites por ter conceitualmente um complexo de vira-lata, que nos coloca nos modismo concentuais, num claro surfismo brasileiro, num flagrante colonialismo de idéias.


    A Biblioteca do Museu com sua Sala de Leitura foi inaugurada em 1857 no Museu Britânico, cujo espaço ajudou e inspirou Karl Marx e Engels, e Lênin , possibilitando que Marx, mais tarde Lenin, ambos exilados políticos de seus países, tivessem acesso ao seu acervo nas áreas de política, economia e filosofia. Para Marx, o acesso direto à Biblioteca do Museu Britânico estreitou sua leitura dos escritos dos mercantilistas de Adam Smith, de David Ricardo e do etnógrafo Lewis Morgan, que resultaram nos seus escritos como Capital e o Manifesto Comunista. Nessa jornada intelectual, Marx contou com a colaboração de Engels, da sua esposa e filhas, Eleanor Jenny Laura. Karl Marx e sua família não viviam de forma confortável, passando por momentos de extrema pobreza de recursos financeiros, nos quais teve o suporte de amigos, entre eles Engels, ao ponto de Marx ter que penhorar seu casaco de inverno para pagar as despesas da casa.


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Família De Karl Marx durante seu exílio em Londres com o amigo, Engels.


    Tal uso é mencionado nas cartas de Marx a Engels no período de 1870 a 1880, nas quais mencionam as visitas à Biblioteca do Museu, precariamente comprovado pelo cartão de uso da biblioteca 1883, emitido 4 (quatro) anos antes  desses relatos.


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Ficha de Karl Marx da biblioteca do museu britânico


    Nesse contexto, podemos analisar o espaço do museu sob a ótica da Psicogeografia, que estuda como pessoas, espaços e lugares influenciam a formação das pessoas, que tem a capacidade de analisar o espaço dos museus na formação de conhecimento diferente dos espaços formais como escolas e universidades, e nesse caso, compreendo como se deu  a trajetória de Marx no Museu Britânico.


    Lembramos que Marx atuou como jornalista, mas tinha formação em historia da filosofia e direito, durante sua formação acadêmica na Alemanha.


    A importância da Biblioteca do Museu Britânico e do acesso à sala de leitura é muitas vezes questionada na obra de Karl Marx porque não era um acesso gratuito, exigindo-se o pagamento de taxas e vestimenta adequada, que representavam um grande problema para o pensador por vivenciar momentos de dificuldades financeiras e de saúde com esposa e suas filhas, que compilavam as pesquisas e organizavam os textos lidos no Museu Britânico.


    Lembramos que antes de se exilar na Londres de 1849, Karl Marx viveu em Bruxelas no período de 1847 a 1848, que foi importante lugar de organização política ao colaborar na criação da Associação Democrática de Bruxelas, que era uma associação de pequenos burgueses, onde foi eleito vice-presidente.


    Transportando essa análise psicogeográfica dos museus no pensamento de esquerda, trago para o Brasil, a necessidade de um novo olhar para campo museal brasileiro, onde vale a pena pensar como os museus são espaços de construção de narrativas para além das questões museais propriamente ditas. Tal reflexão decorre do fato das elites saberem criar espaços para reproduzir sua forma de pensar, suas ideologias, onde se apresenta a luta de classes no campo da cultura.


    Essa linha de pensamento desagua na pesquisa intuitiva que me levou ao levantamento de onde determinados personagens da história intelectual ocidental construíram seu conhecimento e foram influenciados. O uso da Biblioteca e da sala de leitura do museu britânico por Karl Marx (filosofo), Mahatma Gandhi, Friedrich Engels, Lênin com o pseudônimo de Jacob Richter usado no seu exílio em Londres, e Oscar Wilde, entre muitos.


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Ficha de Lênin com seu codinome de Jacob Richter na fixas da biblioteca do Museu Britânico, Nadejda Krupskaia, esposa de Lênin Nadejda dizia que Lênin, passava mais tempo na biblioteca do museu que em casa.


    No caso de Marx, mesmo com visitas descontinuas e irregulares, sua presença na sala de leitura redonda está marcado na história do museu e de sua biblioteca, por ter conseguido construir seu conhecimentos a partir do seu acervo. Nem todos os registros resistiram ao tempo, podendo se comprovar as visitas de Marx com as renovações dos cartões de visita para admissão na sala de leitura em 10 dezembros 1850, com sua assinatura em cartões de 1851, no verão de 1852, com bilhetes válidos por apenas 4 (quatro) dias, e 1857, isto é, seu acesso à Biblioteca ocorreu comprovadamente entre 1850 a 1857.


    Algumas das principais obras de Karl Marx foram inspiradas pelos estudos realizados na biblioteca do museu britânico, notadamente, entre elas O Manifesto Comunista de 1848, seus textos sobre economia, política e sociedade, que demoram até 16 anos para serem finalizadas, e sua maior obra O Capital, de 1867, que influenciaram bases teóricas e conceituais da humanidade. Tais visitas eram tão importantes que ele relatava nas suas cartas as ausências que viagens fora de Londres lhe afetavam, por entender que seu conhecimento ficava prejudicado.


    Uma questão importante de lembrar que Karl Marx, na Universidade de Berlim, sua aproximação com os “Hegelianos de esquerda”, que avança na Alemanha na época. As teses filosóficas, revolucionárias, de Hegel.  Terminou sua tese de doutorado, sobre a filosofia de Epicuro. Ludwig Feuerbach filosofa, idealismo alemão, em um momento de mudanças culturais profundas na Alemanha, não permitindo que Marx voltasse a sua cátedra na universidade. Além disso, Marx e Engels tiveram uma influencia muito grande entre os revolucionários franceses.


    Karl aproveita os ambientes de mudança inspirado pela participação na Comuna de Paris em 1848, nas opiniões revolucionárias na Alemanha, que levou ao seu Exílio.


    Nesse momento histórico, Karl Marx participou do movimento operário na Inglaterra, que foi o primeiro movimento revolucionário de massas na Europa, pós comuna de Paris, no qual influenciou e acompanhou as manifestações de massa exigindo a unificação da Alemanha em 1832, a chamada revolução belga, levante dos tecelões em Lyon – França entre 1830 e 1831, os levantes na Polôna em 1847. Além desses movimentos, Karl Marx cria com Engels o Comitê da Liga dos Justos em Londres, cuja obras “A miséria da Filosofia” é considerada por Lênin a obra básica para o marxismo maduro.


    Na reunião da Liga dos Justos se adota o lema trabalhador em todos os países do mundo uni-vos! - lema sugerido por Engels e Marx.


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A imagem de Marx e Engels mostra o reconhecimento da cidade de Londres da influência desses dois pensadores e amigos na sociedade londrina do Século XIX.


A presença de Karl Marx e Lenin no Museu Britânico é resumida nesta frase:

“Museu é paixão, biblioteca é amor”. 


Por isso, precisamos ter claro como os museus são espaços de luta de classes, cuja questão do tema da memória tem sido usado pelas classes dominantes  melhor  que o campo de esquerda, nessa disputa de hegemonia da cultura.


Museus casa memórias da esquerda.


A memória dos personagens da esquerda está bem documentada nos seguinte museus-casa:


MUSEU CASA KARL MARX, localizado em Trier na Alemanha, na cidade de nascimento de Karl marx. 


MUSEU CASA KARL MARX E ENGELS, localizado em Londres, onde ele morou com suas filhas, e depois, dividiu com Engels.


Essa forma de disputa sobre a memória social ampla nas sociedades contemporâneas é estratégica.


Memória social da esquerda


    Vale à pena ressaltar que não é da tradição da esquerda brasileira disputar a hegemonia da memória social, que os conservadores sempre fizeram, como vimos na Alemanha e na Inglaterra, que transformaram as casas de Karl Marx em um museu, sendo que o museu-casa da Alemanha foi financiada pela SPD – a fundação ligada ao Partido- social-democrata alemão.


Museu Lênin, na Finlândia, museu na casa onde Lênin e Stalin se reunirão em 1905, para pensar a revolução bolchevique.

Museu casa Leon trostsky na cidade do México,

Museu casa Frida kahlo, conhecido também casa azul na cidade do México.

Museu casa Che Guevara na cidade de (Alta Gracia), 

Museu casa Frederico Garcia Lorca em Huerta/ Granada, na Andaluzia, Espanha, importante escritor espanhol. 

Museu  da Solidariedade  Salvador Allende. Santiago (Chile)

Museu casa Pablo Neruda. Santiago (Chile)

Memorial Rosa Luxemburgo (Berlim) Alemanha.

Museu casa Antonio Gramsci (Itália) Sardenha.

Museu casa Pablo Neruda em Valparaíso, Chile.

Museu casa Portinari (Brodowski) Brasil São Paulo.

Museu casa Jorge Amado no Rio Vermelho, Salvador, Bahia.


    Essa lista de espaços de casa museu mostra todos os afetos políticos e sociais desses personagens da esquerda que formam o imaginário da esquerda internacional. Entretanto, há omissão para os personagens de Pierre Joseph Proudhon e Mikahil Bakunin, expoentes representantes do movimento anarquista internacional.


    No Brasil, os instrumentos de gestão nas diversas estâncias de governo, isto é,  federais, estaduais e municipais, reproduzem a hegemonia das elites, mas sem que efetivasses os espaços referentes aos personagens de esquerda e movimentos nacionais: Paulo Freire, Lampião e Maria Bonita, Machado de Assis, Zumbi dos Palmares João Goulart, Leonel Brizola, Francisco Julião, Sergio Arouca, Ferreira Gullar, Carlos Marighella, Lelia Abramo, Florestan Fernandes, Astrogildo Pereira, Manoel Fiel Filho, Gregório Bezerra, David Capistrano, Vladimir Herzog, Edson Luiz, Getulio Vargas, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Pagu, e outros personagens relevantes da esquerda brasileira. E a mais gritante omissão é a esquerda não ter viabilizado até hoje o Memorial Luiz Carlos Prestes/Coluna Prestes.


    Nesse contexto, agrava a situação da memória da esquerda, o fato do Brasil ser o único País do MERCOSUL+Chile que não tem um memorial sobre os mortos e desaparecidos da sua ditadura, em detrimento dos demais Países que vivenciaram regimes totalitários e preservaram a memória dos seus personagens de esquerda.  Essa deveria ser uma rede estruturada no Brasil, mas a ausência desses espaços para trabalhar a memória dos seus mortos e desaparecidos no período da ditadura não reforça a democracia como valor universal.


    Não podemos esquecer que os espaços e o tema da memória é campo de luta de classes que as elites sempre utilizaram muito bem para seus interesses de disputa da hegemonia na sociedade, nem os partidos de esquerda e suas fundações fizeram ações fortes nessa direção e  nem mesmo os movimentos sociais.


    Nessa luta de classes, tem-se  no campo da memória social sua maior disputa pela hegemonia na área da cultura pelas elites, que ocupa no campo religioso uma forma de importante de expressão ao implementar museus de arte sacra, que são referência da história católica, onde se discute a criação do Memorial da Bíblia em Brasília, sem que ocorra a preservação dos acervos das religiões afro e espírita, e também de evidenciar dos personagens da historia das elites e da historia militar brasileira. Vemos também isso nos campos da educação.


O baralho como representação  da luta da de Classes.


    Por fim, para uma reflexão, trago uma das minhas reflexões sobre o papel dos museus como espaços de luta de classes refletido em vários segmentos da cultura, entre eles, a representação das classes sociais no baralho de carteado. Essa associação se torna mais clara a partir do Século XIX, onde se identificou nos naipes do baralho comum as classes sociais: servos – paus, militares – espadas, realeza, burgueses e comerciantes – ouros, e clero - copas. No jogo da política, surge o joker/coringa, aquele que altera, transforma e modifica o resultado da partida, trazendo êxito por assumir o valor de qualquer naipe, e socialmente, de qualquer pessoa. Assim, o pensamento social e humanista de Karl Marx e Engens como ser entendido como o coringa da sociedade.


    As ações do campo museal devem ficar atentas às representações sociais porque não existe neutralidade no mundo, onde tudo tem sentido e simbologia, que no caso dos museus se encontra no naipe  de copas, por ser associado ao clero, onde a memória encontra a emoção, o coração do homem, o verão da sua vida, o auge do seu pensamento sócio-político.


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José do Nascimento Junior é Cientista Social Antropólogo, Doutor em Museologia e Patrimônio.

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