Crise de hegemonia e o risco de ruptura institucional, por Daniel Samam


Uma leitura possível é que a prisão de Roberto Jefferson parece ter sido calculada e provocada pelo próprio e pelo núcleo duro bolsonarista - o sujeito gravava vídeos com armas em punho e discursos alucinados, ameaçando ministros do STF e a ordem democrática. Utilizou a tática do mártir, muito eficaz para mobilizar as bases e redes que mobilizam o bolsonarismo. O que me reforça esta ideia é o áudio "vazado" de Jefferson, apostando no aumento da radicalização, a fim de que a prisão de um aliado levará a um gesto de força por parte do governo.


Por mais que o presidente esteja mais isolado e enfraquecido, imaginar um recuo e moderação diante dos outros poderes é irresponsabilidade gerada por ilusão ou grave miopia política. Daqui por diante, Bolsonaro dispõe de apenas dois caminhos: partir para o tudo ou nada da ruptura institucional para permanecer no poder ou aceitar que quando sair da presidência, seu destino bem como de seus filhos e asseclas será a cadeia. Por isso anunciou hoje (14) que vai pedir ao Senado a cassação de seus dois arqui-inimigos ministros do STF, Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Ele não vai parar de atacar as instituições.


As redes bolsonaristas forjam a seguinte narrativa: o STF já provocou ruptura institucional ao colocar-se como poder moderador da República. Qual o objetivo? Retomar a tese de "intervenção militar", retomando a narrativa em torno do artigo 142 da Constituição. Ah, e se enganam os que acham que a derrota da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados encerra o debate e os incentivos à desordem. Por quanto tempo mais aguentaremos tamanha ofensiva autoritária? As instituições se mantém de pé até 2022?


Pergunto porque o entrave da conjuntura parece ser de empate entre os dois polos. Vejamos. Hoje, nem a oposição têm força e coesão para remover Bolsonaro ou mesmo tirá-lo do segundo turno de 2022, nem o presidente dispõe de condições e garantias de que irá derrotar Lula nas eleições. Daí o cenário de crise de hegemonia.


Um exemplo claro disso está nas classes dominantes, onde há consenso em relação ao receituário econômico neoliberal, mas não há consenso sobre o que fazer com o monstro que criaram. Até porque, conseguiram tudo que pediram (lei de liberdade econômica, autonomia do Banco Central, reforma da previdência, minirreforma trabalhista e privatizações da Eletrobrás e Correios).


O que está claro é que a conjuntura fascistizante não será resolvida apenas pelo "alto". A saída não está apenas na ação institucional (que é fundamental, diga-se). No entanto, falta um ator decisivo para empurrar as instituições a tomar posições mais drásticas: povo na rua.

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