Precisamos falar sobre a polícia no Brasil, por Sérgio Batalha

A polícia civil do Rio de Janeiro realizou ontem a reconstituição da morte do menor Ray, que pode ter sido alvejado por um policial, e matou mais uma pessoa antes de começar o procedimento. Parece piada, mas não é.


As polícias no Brasil matam como se estivessem em uma guerra. Alguns dirão que seria uma “guerra contra o crime”, o problema é que a polícia mata inocentes e criminosos quase na mesma proporção, isto para utilizar uma parâmetro mais favorável às nossas forças policiais.


O pior de tudo é que esta guerra dura mais de quarenta anos sem qualquer perspectiva de vitória. Ironicamente, o grande avanço veio com a pandemia e uma restrição do STF às operações policiais. Houve uma redução nas mortes violentas proporcional à redução nas operações policiais.


Não é preciso ser um especialista em segurança pública para concluir que a polícia é parte do problema e não a solução. Temos quase um exército de policiais, armas modernas, carros blindados e helicópteros. No entanto, a polícia é incapaz de proteger a população, o que deveria ser o seu principal objetivo.


O problema da polícia no Brasil começa exatamente na sua concepção. Ela não tem o lema “servir e proteger”, como a polícia americana e europeia. Sua lógica é matar os inimigos e reprimir o crime em primeiro lugar, o que é uma distorção. 


O resultado é que você vê diariamente policiais abrindo fogo em comunidades contra criminosos, expondo ao perigo os cidadãos inocentes que deveriam proteger.


No ano que vem teremos eleições gerais, inclusive para os governos estaduais que controlam as polícias civis e militares. As forças progressistas tem de ter a coragem de abordar o tema da segurança pública, fugindo da lógica do “combate ao crime”.


Temos de abordar a ineficiência desta política de segurança pública, evidenciada pela restrição das operações policiais no Rio durante a pandemia. Menos operações não provocaram um aumento dos crimes e sim a sua redução. 


A polícia no Brasil tem de ser reestruturada em parâmetros europeus, com uma prioridade na proteção à vida dos cidadãos, sejam eles moradores do Leblon ou da favela da Maré. 


Temos de federalizar a repressão ao tráfico e utilização de armas de fogo pelo crime, além de limitar operações armadas a poucas unidades da polícia, intensivamente treinadas e rigidamente controladas. A polícia deve investigar e fazer um patrulhamento de rotina para coibir crimes comuns. 

O crime organizado só deve ser enfrentado de forma planejada e com unidades especiais.


Tudo isto deve ser debatido não apenas para proteger nossas vidas, mas também nossa democracia. As polícias estão se transformando em exércitos paralelos, com objetivos e diretrizes próprias que não servem à cidadania, mas a interesses particulares, quando não criminosos, de seus integrantes. 


Bolsonaro potencializou um risco que sempre esteve presente e tornou inadiável este debate. Temos de reformar a polícia no Brasil e fazer com que ela proteja e sirva à sociedade.

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Sérgio Batalha é advogado, professor universitário, especialista em relações de trabalho, além de conselheiro e presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RJ.

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