As esquerdas erram, por Vivaldo Barbosa


A incompetência de Bolsanaro, seu primarismo, governo errático, sem coordenação, sem articulação, as trapalhadas que apronta, as idiotices e sandices que vocifera todo dia, dividem e desarticulam o conservadorismo no Brasil. Tome-se em cima políticas neoliberais exacerbadas que sufocam a economia, desaceleram a industrialização, geram desemprego, impedem o desenvolvimento, arruínam vidas. Mesmo antes do corona vírus.

O povo brasileiro foi entorpecido nos últimos tempos por acirrada campanha nos meios de comunicação, mobilização de rua e uma organizada presença nas redes sociais, invocando a questão da corrupção, violência e família. Temas fáceis de compreender e altamente sensíveis às pessoas. É de se levar em conta que mais de 50 anos de televisão, com novelas e todo seu conteúdo, noticiários preparados, opiniões de economistas, empresários, tudo a expressar o conservadorismo, não foi em vão, ajudou a compor o quadro. E mais de 20 anos de ditadura para evitar a discussão de pensamento alternativo.

O resultado foi a eleição do Bolsonaro.

E chega o corona vírus com Bolsonaro como presidente com todas as suas diatribes e um governo capenga, medíocre, sem compreensão do Brasil e do mundo. Sem entender o que o vírus significa, o que representa e sem enxergar as consequências que trará. O comportamento não responsável do Bolsonaro, mesmo diante do que está acontecendo no mundo, está estarrecendo boa parte do povo. A falta de medidas adequadas, soluções econômicas precárias, atitudes de pura covardia em relação aos humildes, enquanto o mundo está tomando medidas para amparar as pessoas e garantir seu emprego, estão levando o povo a ter visão mais clara do esquema de poder que se montou no Brasil.

O povo brasileiro está em choque. Diante da doença mundial. Diante das atitudes atrabiliárias, erráticas, confusas, irresponsáveis do Bolsonaro face à doença. Este choque contribui para desmanchar o entorpecimento a que o povo foi submetido. A consciência do povo está mais esclarecida.

Este é o quando político: o conservadorismo participará das próximas eleições mais debilitado. 

Lideranças de partidos de esquerda e outras figuras da vida nacional lançaram manifesto pedindo a renúncia de Bolsonaro e apontando medidas a serem tomadas diante das crises da doença e da economia. A renúncia significa entregar a presidência ao general Mourão.

Observa-se que diversos setores do conservadorismo, lideranças do Congresso, os presidentes da Câmara e do Senado (ambos do DEM) à frente, setores empresariais, meios de comunicação, economistas neoliberais famosos, setores do Judiciário estão se distanciando do Bolsonaro e trabalham no mesmo sentido de se livrarem dele e passar o poder ao Mourão.

Bolsonaro isolou-se muito com suas sandices, mas ainda conta com certa popularidade. Sustenta-se com o sistema de redes sociais antes referido, com uma camada de direita mais extremada e com setores religiosos neopentecostais.

Bolsonaro é um incômodo para as elites, para os grupos econômicos, para o conservadorismo. Precisam se livrar dele para se recomporem e se organizarem para o enfrentamento político que vem por aí. Mourão pode ser o fator aglutinador.

Mourão não era o candidato a vice do Bolsonaro. Tentou diversas pessoas. De última hora surge o Mourão filiado ao PRTB e sai vice. Diversos generais já estavam atuando politicamente com Bolsonaro, como ficou-se sabendo posteriormente. Eles conheciam Bolsonaro, sabiam do seu temperamento e de seu despreparo. Ter um General de quatro estrelas (promovido pela Dilma), ex-Comandante do Exército do Sul (nomeado pela Dilma) na Vice, seria o mais garantido para as turbulências que certamente viriam. No Governo, Bolsonaro cerca-se desses generais. É natural que os generais se sintam muito mais tranquilos em se vincular e se relacionar com o general de quatro estrelas do que com o capitão. Todos eles formados durante a ditadura militar, que não seguiram a inspiração do tenentismo que buscava uma ideia de país, frutos de ambiente anti-Geisel, o último tenentista, apegados a uma visão rasteira da política, sem compreensão do Brasil e das possibilidades do povo brasileiro, sem entender o mundo.

O manifesto das esquerdas dá uma força muito grande a esse processo. Falar em renúncia, impeachment, levantar os casos de crimes de responsabilidade, clamar pela saída, ajuda muito ao processo de recomposição do conservadorismo. Alguns na esquerda falam em ter um Mourão vigiado, ou até controlado. Fé de mais ou ingenuidade? O Gov Flávio Dino, uma das melhores figuras da política brasileira no momento, expressa esta visão: com Mourão, o Brasil chegará melhor em 2022. As elites e o conservadorismo chegarão melhor, sem dúvida, rearrumados, recompostos.

Invoca-se muito os diversos momentos de conciliação operada pelas elites no Brasil. Em todos eles, as elites e os grupos econômicos resolveram os seus problemas e o povo ficou à margem, sempre esquecido, com seus dramas, carências, necessidades nunca atendidas.

Os diversos segmentos das elites, do projeto conservador querem se banhar nas águas do Rio Jordão e se purificar por sugar o trabalho do povo brasileiro, concentrar a renda e a riqueza em suas mãos, ter se associado aos grupos econômicos internacionais e entregue nossas riquezas, de ter produzido uma das sociedades mais injustas e cruéis no mundo. Querem que passemos as mãos na cabeça deles pelo golpe do impeachment da Dilma e da prisão do Lula.

Mas deles devemos ter distância. São os responsáveis por Bolsonaro, o geraram.

A estratégia de um projeto popular de país, neste momento das crises na saúde e na economia, de esfacelamento do projeto conservador, deve ser outra : mover os esforços da nação no amparo às comunidades carentes e aos desvalidos de toda ordem, propiciando-lhes as condições mínimas para o enfrentamento da doença; denunciar todos os participantes e as políticas do desmonte do sistema de saúde e das estruturas de amparo ao povo; procurar responsabilizar todos os que participam e usufruem de todas as armações feitas contra os interesse do Brasil e do povo brasileiro. Fazer oposição sem trégua a Bolsonaro e ao projeto neoliberal. Apresentar um projeto popular de país como saída do inferno em que as elites e o conservadorismo nos meteram. Fazer militância política constante junto ao povo para ajudar a libertá-lo de tamanha dominação e espoliação. Preparar para as eleições que virão, único escape e salvação do povo brasileiro, como já o fez em diversos momentos.

Houve um momento semelhante anterior: o impeachment do Collor. As elites e os grupos econômicos não o queriam mais, ele não servia mais ao projeto conservador: desmantelar tudo o que a Constituição de 1988 construíra. Não podiam chegar com ele às eleições, queriam tempo para se recompor. Prepararam o real e FHC para levar avante o neoliberalismo no Brasil. Houve um brasileiro que enxergou isso: Leonel Brizola. Queria levar Collor já esquartejado até às eleições.

Compreendeu o quadro, mas não foi compreendido: pagou um preço imenso, foi massacrado, teve reduzida, quase anulada sua ação política. Só lhe restou a História.
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Vivaldo Barbosa é advogado, professor e político. Foi deputado federal constituinte em 1988.

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