A necessidade da esquerda fazer o debate sobre segurança pública, por Bernardo Cotrim

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A cena acima poderia tranquilamente fazer parte de uma sequência de "Mad Max" ou qualquer outra ficção distópica e apocalíptica: mercenários atuam em cidade sob escombros, mantendo a população oprimida enquanto os "donos do pedaço" controlam o acesso à água. Roteiro batido, né? 

No entanto, a foto registra dois policiais do RJ em serviço. Sim, um deles ostenta um crânio de cabra no ombro. Estão vestidos pra guerra - por ordens do governador do estado e de seu secretário de segurança. E na guerra, parceiro, ou você mata ou morre.

O resultado dessa aberração é visível: o número de vítimas de letalidade policial explodiu. Em apenas 5 dias, 6 vítimas fatais - todas assassinadas pelas forças de segurança do RJ.

O governo, no entanto, se defende: afirma estar defendendo a população de "mafiosos e narcoterroristas", que estes usam "cidadãos de bem como escudo humano" - ignorando que, entre as vítimas dos últimos dias, estão pessoas que foram atingidas no ponto de ônibus, a caminho da escola...

O discurso piora quando o secretário de segurança pede desculpas pelas "futuras mortes". Para Witzel e sua trupe, a morte de jovens negros e pobres é um "efeito colateral" da "grande guerra contra o crime".

Uma pequena digressão: a política de guerra às drogas acontece sem interrupções há décadas no Rio de Janeiro. Não há registro algum de "enfraquecimento do poder do tráfico". 

Me causa certo "espanto", no entanto, como o combate ao poder de uma organização criminosa que se ramifica internacionalmente, vende "mercadorias" que praticamente não são produzidas no país, lava dinheiro em negócios "legais" do mercado e utiliza armamentos de uso exclusivo das Forças Armadas e das polícias brasileiras (e, eventualmente, até armas de uso exclusivo de exércitos estrangeiros) é feito prioritariamente através do confronto armado em territórios periféricos - onde até as pedras do caminho sabem que se localizam os "postos de varejo".

O fato incontestável é que acirrou-se, a partir dos governos Witzel e Bolsonaro, uma retórica - e, mais do que apenas discurso, uma política oficial - que justifica ideologicamente o genocídio em curso da juventude negra das periferias cariocas. De lado a lado, aumentam as vítimas (afinal, policiais - em larga medida também negros e oriundos de famílias de baixa renda - também morrem no confronto aberto), e a "faxina étnica" (mais fascista, impossível) extermina uma geração inteira de jovens. 

Na nova lógica das cidades, o tema da segurança precisa ganhar centralidade no debate da esquerda. Precisamos transformar em agenda política e propostas concretas as elaborações que condenam a política de extermínio e, na contracorrente, defendem a vida e os direitos humanos e promovem oportunidades. Reside aí uma questão-chave para disputar a sociedade para uma concepção democrática, solidária e universalizadora de direitos.
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Bernardo Cotrim é Jornalista.

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