Mourão, o vice que ficou bonzinho? Por Val Carvalho

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O que aconteceu para o general Mourão, que até o ano passado defendia o torturador-mor da ditadura militar, Coronel Ulstra e chamava índio e negro de vagabundo e malandro, passar a defender o direito da mulher ao aborto, considerar a ameaça ao deputado Jean Wyllys “crime contra a democracia”, pedir esclarecimentos sobre o caso de Flávio Bolsonaro, tratar bem a imprensa, defender a relação com a China e afirmar que o aquecimento global não é “trama marxista” como pensa o chanceler maluco de Bolsonaro?

Como alguém pode mudar tanto em menos de um ano? Respondo: a expectativa de poder. Tendo ficado óbvio ainda no primeiro mês que Bolsonaro não deu certo como presidente, gerou por parte de seu vice um frisson para assumir de vez a presidência, tendo como companheiro de jornada ninguém menos que a Globo.

Mas será que o núcleo militar do governo pensa como Mourão? Os militares já têm o poder de fato sobre o presidente e talvez não pensem em se expor tomando diretamente a presidência. Mas o comportamento futuro de Bolsonaro, não talhado para ser tutelado, pode levar eles a mudarem de ideia e apoiar, junto com a Globo, a ambição pessoal do general Mourão.

E a esquerda com isso? Setores da esquerda começam a sonhar com um Mourão equilibrado, liberal, pelo menos. Nossa esquerda tem dessas manias. Nos anos da ditadura parte dela sonhava acordada com as brigas do general Albuquerque Lima com a cúpula do regime. Este general tinha um perfil parecido com o Mourão. Até 1970 um linha dura da ditadura. Quando tentou disputar com Médici no alto comando, acabou se transformando num crítico do regime e promovendo outro general, o nacionalista moderado Euler Bentes, que em 1978 se tornou candidato à presidente pelo antigo MDB contra o general Figueiredo.

Mas o fato é que não há motivos para se animar com as declarações fingidamente moderadas do general Mourão. É só lembrar de que ele, no exercício da presidência, anulou a democrática Lei da Transparência. Também não podemos esquecer que suas declarações são todas elas dirigidas para os setores da direita liberal, usando a mesma tática do ditador Geisel para “abrir o regime” com a tal “distensão gradual”. Sobre a política econômica neoliberal radical de Guedes, seu aliado no governo, nem um pio. É essa política econômica, e não Bolsonaro, quem unifica toda a direita no Brasil, principalmente o partido da Globo.

Portanto, fiquemos tão somente com a parte boa dessas declarações de Mouro, que é a de gerar o acirramento da luta interna no governo e o crescente isolamento de Bolsonaro.
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Val Carvalho é militante histórico do Partido dos Trabalhadores (PT).

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