O obtuso mito de nação, força e fé, por Paulo Branco


Aprovando, ou não, a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, é urgente compreender os motivos desse fenômeno. Seria mesmo descrença com “tudo que está aí”, como muitos diziam, ou, por trás de sua candidatura, havia um projeto sedutor, muito bem pensado e conduzido?

Despreparado intelectualmente, com, praticamente, nenhum projeto aprovado durante os vinte e sete anos como deputado, sua vitória mostrou que - na retaguarda de um homem bruto e vil – planos bem traçados, mesmo com profundas contradições, surtiram o efeito esperado: a campanha eleitoral do capitão, além de conduzi-lo a vitória, confundiu todos aqueles que tentaram reduzir o projeto Bolsonaro à Bolsonaro.

A jogada dúbia que misturou um discurso popular e acessível, a uma ideologia economicamente liberal, anti-Estado, conseguiu, na prática, atingir todos os campos sociais: tanto as elites econômicas, quanto as camadas populares sentiram-se atraídas por seu projeto de país, ausente de ideias prósperas e polimento. A retórica midiática-liberal, que criminaliza a política e o Estado, foi peça fundamental na engrenagem.  

Conduzido a declarar-se liberal na economia, o sucesso de sua chegada se deve a uma lógica unicamente motivacional, a serviço do livre-mercado, mas que, no fundo, ampara-se à contramão dos valores capitalistas, que avançaram por grande parte do mundo no período posterior à Guerra Fria.

O primeiro ponto, que desvirtua suas intenções da lógica capitalista, é a ausência de promessas no que tange a satisfação imediata. A política de bem-estar social, mote de campanha dos governos pós-ditadura, foram deixados para trás, dando lugar a um discurso de trabalho árduo e doação da força de trabalho por um suposto bem maior: a nação.

Os valores protestantes, adotado por distintos segmentos religiosos, mesmo com suas distâncias éticas e subjetividades, foram um dos pilares dessa construção. Como emblema, temos a figura do ex-juiz Sergio Moro e seu séquito - fantasiado pelas ideias de frugalidade – que serviram, até pouco tempo, para esconder seus instintos perversos de poder. Por mais que haja distâncias entre as linhas religiosas e sociais, a candidatura de Jair Bolsonaro conseguiu o apoio de todo o grupamento da fé, reunindo no mesmo barco, figuras como Silas Malafaia, Deltan Dallagnol, Sergio Moro, Marcos Feliciano e Magno Malta.

Os deveres com a família tradicional também foram uma marca acoplada ao novo governo. Partindo desta ideia criou-se, matreiramente, uma conexão ao projeto que visa criminalizar tudo aquilo que destoa do comportamento padrão, pró-sistema. Explorado o sentimento anti-rebelião, notabilizou-se, como guarda pró-governo, cidadãos doutrinados a negar e perseguir todo e qualquer movimento que critique o futuro governo e o sistema. Ou seja, a família tradicional, protagonizada e encarnada pelo místico “cidadão de bem”, terá como função negar, denunciar e perseguir os críticos.

A grosso modo, é uma tentativa de destruir em massa projetos e avanços democráticos, adaptando, seletivamente, heranças do passado, quando se trata de servir e prestigiar alguns poucos.

Mesmo com mentiras propagadas aos montes e uma narrativa bem esquematizada, é bem provável que, com o aprofundamento das incoerências, abra-se margem para uma mudança no xadrez político. A fé cega terá prazo de validade com a concretização de medidas antipopulares: vale ressaltar o projeto que visa aprofundar a reforma trabalhista e a ausência de propostas pelo fim de privilégios das corporações públicas.

O tempo e o reflexo de suas ações serão decisivos para retomar a crença da maioria em um projeto humano e democrático.
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Paulo Branco Filho é cronista e professor de artes marciais.

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