Um voto e um caminho, por Rodrigo Gava

Publicado originalmente no Blog do autor.


"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago (Epígrafe).
No segundo turno das eleições presidenciais de 2018 – o ano que nunca acaba – o Brasil está frente a frente com um dilema.

E não se trata de um dilema político.

A encruzilhada em que nos metemos coloca-nos em outro plano de discussão.

Estamos, assim, frente a dois caminhos que nos levam a discutir duas eras históricas: civilização ou barbárie (v. aqui).

Por isso, não se trata da escolha de um partido, de um modelo econômico ou de uma saga ideológica ou anticorrupção.

Por isso não se está a falar simplesmente de ganhar uma eleição, nem tão-pouco significa a vitória de um fulano ou de um grupo político, posto que seus resultados transcendem um quadriênio e superam qualquer nome ou cor faccionária.

Na verdade, a escolha significa a vitória de cada um de nós que deseja viver num país livre, num país plural, num país que respire o ar da democracia, da divergência, das opções sexual, política e de fé, das ciências e das culturas.

Significa a vitória de cada um dos nossos filhos e netas que ainda não sabem o que tudo isso significa, mas que certamente não irão gostar de crescer em um país marcado pela oficialização de práticas fascistas, pela falta de alternativas, pelo medo do autoritarismo, pelo preconceito ao negro e ao nordestino, pela banalização da desigualdade, pelo desprezo ao pobre e à mulher, pela violência ao diferente e pela intransigência ao pensamento alternativo.

Significa a vitória de todos nós que formamos uma sociedade regida pelo estado democrático de direito, idealizada por uma constituição cidadã e social e calcada nos princípios da  liberdade religiosa, da liberdade econômica, da liberdade cultural e da liberdade cívica.

Significa a vitória de um Brasil como o maior Estado-nação latino-americano, como uma  potência energética surreal, como um modelo mundial de construção soberana com dimensões continentais e plurais.

Significa a vitória do ser humano contra o obscurantismo, contra a intolerância e contra as bravatas pré-iluministas e totalitárias que tanto de sangue já tingiram o planeta.

Claro que, como em todo canto do mundo, um pequeno grupo é fascista – é natural e até humano, demasiadamente humano

Mas é uma minoria, quero crer nisso.

Hoje, se 33% das pessoas aptas a votar deram seu sufrágio a Jair, é porque uma considerável parcela ainda não despertou e está amarrada à seus laços sociais ou a seus líderes religiosos ou submersa na avalanche de mentiras e notícias falsas que impedem de sair da catarse de uma rede telefônica que não dá espaço à reflexão e nem ao diálogo, sendo engolida na base de memes e pequenos vídeos, num flagrante regresso comunicacional, dignos dos grunhidos e dos litóglifos das cavernas.

Assim, nestas três semanas de debates, entrevistas e propagandas eleitorais, quero crer que a maioria do povo brasileiro – e aqui já incluo, além dos não fascistas, aqueles que no primeiro turno votaram em opções do campo democrático de outra matriz – irá reencontrar a verdade, fora da selvageria insana que mistura choque com caos e que não dá espaço para o pensamento.

Nestas três semanas restantes, a maioria do eleitores verá, quero ajudar a crer, que não há nenhuma alternativa fora da argumentação política, da civilidade e das ideias para o desenvolvimento nacional.

A maioria dos nossos cidadãos verá, quero ajudar a crer, que a candidatura do Jair, de fio a pavio, nada oferece e não dá nenhuma solução para a brutal crise econômica brasileira.

Cada um, como se revigorados de uma cegueira branca, poderá enxergar que Jair e sua gente não apresentam nenhuma resposta para os vários desafios nas áreas da educação, da saúde, do emprego, da segurança, da moradia, dos transportes, da energia, do meio ambiente, enfim, em tantas áreas que exigem a máxima atenção do Estado.

Bala, fim das cotas e servir como quintal dos EUA não são soluções para uma nação tão imensa e complexa como a brasileira.

Cadeia, escola sem partido e privatizar tudo não são propostas dignas e viáveis para um país que há poucos anos atrás chegou a ser a 5ª maior economia do mundo.

Fim do comunismo, cartilha antigay e perguntar tudo no posto Ipiranga não são plataformas sérias para um candidato a Presidente da República em pleno séc. XXI.

Enfim, chegamos a uma daquelas reconhecidas como "hora-chave" da história de uma nação.

O Brasil está a 21 dias de optar por qual caminho seguirá, uma escolha que terá reflexos por muitas e muitas décadas.

Nós, povo brasileiro, iremos escolher o futuro de uma sociedade moderna, plural e civilizada, sob o cotidiano da racionalidade e da fraternidade, e livre para tentar ter seus próprios anseios de prosperidade e felicidade, em cuja trajetória se apresentam múltiplas alternativas democráticas.

Ou escolher o passado de um Estado medieval, fechado e bárbaro, sob o império do terror e preso às pautas morais e às soluções fáceis que nunca resolveram nada e nem funcionaram em nenhum lugar do planeta, a consistir em uma via sem alternativas e alimentada somente pela repressão e pelo choque.

Portanto, aperte o nariz, mas não puxe a descarga para empurrar um mar de brasileiros pobres, pretos, gays e não cristãos pelo ralo da sociedade. 

Retraia os olhos e franza a teste, mas não ignore as importantes pautas que o séc. XXI nos exige, ligadas às mulheres, às famílias, aos imigrantes, aos índios, à desigualdade e ao meio ambiente.

Proteste, mas não permita que o país siga num rumo sem alternativas sérias e sem propostas concretas, à revelia do mundo moderno.

É a hora de cada um compreender o que está em jogo, ouvir os argumentos e conhecer as consequências.

O Brasil está tendo a incrível chance de escolher um voto e um caminho pela paz, pela liberdade e pela democracia.

Para isso precisamos colocar a mão na consciência e dizer um não rotundo ao ódio e a um país-beco sem saída.

Um não que apenas o nulo não irá resolver.
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Rodrigo Gava é Advogado. Doutor em Ciência Política (UFF). Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas (Universidade de Coimbra/Portugal). Bacharel em Direito (PUC-PR) e em Administração (UFPR).

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