Panorama de São Bernardo, por Paulo Branco Filho


Foram horas e mais horas de tensão e vigília em torno do ex-presidente Lula. A certeza de que a justiça brasileira avançaria em mais uma arbitrariedade em prol do golpe de Estado, catalisou a união das esquerdas, levando militantes de quase todos os partidos progressistas a São Bernardo do Campo, berço do movimento sindical brasileiro.

Um misto de ideias e emoções circulou durante esses dois longos dias. A grande maioria pedia que Lula não se entregasse, colocando à disposição paixão e coragem como instrumentos para resistência.

Durante a madrugada da sexta-feira, 6, para o sábado, 7, o som dos helicópteros que sobrevoavam o local, somado a ronda da polícia e uma possível ação por parte de fascistas, trouxe uma sensação de insegurança à militância. Era preciso combater o cansaço e manter o estado de alerta: enquanto alguns dormiam, outros se mantinham acesos, alimentados pela responsabilidade de resguardar a segurança do ex-presidente.

Na manhã do dia 7, a região amanheceu abarrotada de gente. Crescia o sentimento do povo de que era preciso estar ali para contrapor a última jogada programada pelo golpe de Estado: prender e eliminar Lula, o maior líder da esquerda brasileira, da disputa política.

A missa em homenagem a Marisa Letícia assentou os ânimos, propondo à resistência uma reflexão ampla e profunda sobre tudo que vem acontecendo no país. Pelas palavras do padre Dom Angélico Sandalo Bernardino começou-se a considerar a ideia de que era preciso respeitar a individualidade e o desejo do ex-presidente.

Lula parecia deixar-se flutuar no meio daquela energia apaixonada. Seu olhar, muitas vezes vago, buscava um conforto no horizonte verde do sindicato. Talvez, naquele momento, Lula tenha tido lampejos de toda sua trajetória de lutas e amparou-se nela para suportar mais essa batalha.

Atrás de Lula, dentre muitos companheiros de partido com a expressão desolada, Celso Amorim era a figura mais centrada que, de forma discreta, quase imperceptível, dava suporte a Lula durante o discurso. A sinergia entre os dois - Lula com a experiência prática e Amorim com a bagagem intelectual - dava sugestões de como a executiva petista deve compor sua linha de frente para o enfrentamento político.

Luiz Inácio, como grande líder que é, mesmo precisando de suporte emocional, transmitia mais calma e tranquilidade do que recebia. Mais uma vez, era ele quem demonstrava maior maturidade para enfrentar todo caos e a vileza de seus algozes. 

A notícia de que iria se entregar, levou grande parte da multidão às lágrimas. De tempo em tempo alguém desmaiava, fazendo com que o próprio Lula, com sua voz rouca e sensibilidade única, pedisse pelo microfone amparo médico.

Ao descer do carro de som, Lula foi conduzido de volta ao sindicato nos braços do povo: uma imagem emocionante, que ficará registrada na memória do povo brasileiro.

A resistência em torno do sindicato prometia não permitir que Lula se entregasse, atitude que ia na contramão do desejo do próprio ex-presidente. 

Com a passagem de seu carro barrado pelo povo, Lula decidiu ir a pé ao encontro dos policias. Firme e altivo foi, mais uma vez, dar um exemplo à nação brasileira de que se entregar não é desistir: era a percepção de que sua personalidade e a trajetória política escolhida exigia tal movimento.

Lula preso, como ele bem disse, torna-se uma ideia que irá conduzir cada um de nós ao enfrentamento da situação. Suas palavras e gestos ecoarão, aos quatro cantos desse país, pela boca de cada brasileiro que quer ver o Brasil soberano, justo e igualitário. Não é Gandhi, Mandela, muito menos Jesus Cristo. Apenas Lula: um líder brasileiro de enormes feitos, que transborda amor, solidariedade e carrega nossa subjetividade e complexidade de forma única e brilhante.


Paulo Branco Filho é professor de artes marciais e cronista.

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