Escalada fascista: ameaça civilizatória, por Waldeck Carneiro


Ao final do segundo decênio do século XXI, o Brasil, assolado por um golpe de Estado que implementa avassaladora agenda de entregas estratégicas ao capital internacional, de desconstrução de direitos, de ataques à democracia e de agravo à soberania nacional, enfrenta ainda perigosa escalada fascista, de imprevisíveis consequências. A rigor, nem tão imprevisíveis assim, pois a história remota e recente da humanidade revela, em livros, filmes, teses, músicas e outras formas de registro, que regimes totalitários de matriz fascista, em qualquer sociedade, em qualquer tempo histórico, jamais asseguraram direitos, paz e dignidade às populações por eles afetadas. Ao contrário, baseados no ódio e na intolerância, e sempre respaldados por violência e covardia, os regimes fascistas têm invariável corolário: desrespeito, preconceito, injustiça, humilhação e morte. 

Logo, são de causar espécie os evidentes sinais da escalada fascista no Brasil contemporâneo, que estão por toda parte: execução sumária da vereadora carioca Marielle Franco e de seu assessor, Anderson Gomes, crime político lastreado por covardia e crueldade; atentado contra a caravana liderada pelo ex-presidente Lula, no Paraná, quando dois ônibus que a integravam foram alvejados por armas de fogo; ministro Edson Fachin, do STF, declarou que ele e sua família receberam ameaças e pediu providências à presidência da Suprema Corte e à Polícia Federal; Alfredo Jacinto Melo, o Alfredinho, lendária figura carioca, que comanda o Bip Bip, tradicional reduto do samba, do choro e da esquerda em Copacabana, foi vítima de violento constrangimento por parte de um agente policial, chegando a ser conduzido a uma delegacia de polícia para prestar esclarecimentos, apenas por ter homenageado a vereadora Marielle em seu estabelecimento; os recorrentes assassinatos de lideranças de trabalhadores rurais, como a execução de Waldomiro Pereira, no  hospital em que estava internado, em Parauapebas-PA, no ano passado, e o assassinato de Márcio Oliveira, em sua casa, no assentamento Boa Sorte, Iramaia-BA, em janeiro deste ano. 

Numa sociedade como a brasileira, já indelevelmente marcada, na alma, por séculos de escravatura, não se pode recuar um milímetro sequer, não se pode tolerar nem por um segundo qualquer manifestação de caráter fascista. Trata-se de postura radical contra o fascismo, ou seja, que vai às raízes do humanismo e do altruísmo para barrar o avanço daquele sombrio espectro que paira, ameaçador, sobre a atual e as futuras gerações de brasileiras e brasileiros. Tamanho desafio deve superar as diferenças político-partidárias, mesmo em ano de eleições, que, diga-se de passagem, também podem estar sob ameaça. Assim, entidades e coletivos, partidários ou não, movimentos sociais de diferentes matizes, desde que comprometidos visceralmente com o humanismo, ainda que divirjam em doutrinas e estratégias, devem ser capazes de se articular para derrotar a ameaça fascista no Brasil. Isso é urgente, prioritário e inadiável e se sobrepõe a divergências comezinhas.
   
Em artigo recente, Tarso Genro recorreu ao escritor uruguaio Mario Benedetti, questionando o destino que queremos para a nossa sociedade: “Há cidades que são capitais de glória e outras que são cidadelas de asco. Há cidades que são capitais de audácia e outras, só caliças escavadas pelo medo.” Que cidades queremos ter ou ser no Brasil, que país queremos forjar neste terceiro milênio?


Waldeck Carneiro é Deputado Estadual (PT/RJ) e Professor da UFF.

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