Vem aprender com a Beija-Flor! Um desfile Histórico, por Alipio Carmo

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Não, eu sei! Não foi histórico pela qualidade do cortejo, das alegorias, das fantasias, da evolução e dos demais quesitos. O desfile de 2018 da agremiação nilopolitana adquiriu esse valor por outra razão. Devido a capacidade de nos revelar os sentidos históricos do processo de formação das escolas de samba e suas relações de poder. 

Vamos enumerar os ensinamentos:

1 - O samba clamava por um salvador, um pai, um tutor. O povo não possui naquela narrativa a perspectiva de ser sujeito de sua própria transformação, o que  expressa a presença da tradição escravista em suas diversas facetas.

2 - O desfile afirmava um sentimento de transformação social baseado em um processo conservador. Era o grito contra a corrupção, a violência e a intolerância sem o debate sobre a soberania nacional, a reconstrução da democracia, tombada em 2016. 

3 - Era apenas a criminalização da política e a vitimização da sociedade sem o debate efetivo sobre a corrupção no país e a totalidade dos atores políticos e sociais envolvidos. Aonde estava o judiciário? 

4 - As pautas identitárias sambaram de mãos dadas com a renovação conservadora. Fica a lição!

5 - A luta de classe, expressa nesse momento na defesa dos direitos sociais, não se fez presente na expressão daquela indignação .  

O que me levar a ser tão contundente?

Fácil! A narração da jornalista Fátima Bernardes quando o desfile atinge o setor que iria falar das conseqüências do abandono (No youtube aos 33:59). Diz ela: "Os refugiados da seca a procura da terra prometida. Depois: No circo Brasil, o palhaço é o povo! O peso dos impostos". E quais impostos a fantasia retratava? FGTS, PIS,INSS e ICMS. 

Fica a questão central: O que não foi dito ali? O desmonte dos direitos sociais.

Conclusões rápidas:

1 - O samba de Beija-Flor cumpriu um papel parecido com as manifestações de 2013. Setores progressistas concluíram, na época, que poderiam disputar a narrativa daquele processo. No entanto, rapidamente, o fenômeno  se constituiu como base do discurso das mídias para o que três anos depois se manifestaria na primeira etapa do golpe. Ouso dizer que o mesmo aconteceu com a obra da escola de Nilópolis que entusiasmou algumas pessoas por acharem que era uma denúncia no campo progressista.

Afinal de contas, o diabo sempre mora nos detalhes, e os detalhes do samba de 2018 são simples de entender. Basta um olhar atento: 

"Sou eu... carente de amor e ternura.... retalhos do meu próprio criador, a procura de uma luz, uma salvação!" "Vêm ver brilhar... Mais um menino que você abandonou... Oh pátria amada, por onde andarás? Seus filhos já não aguentam mais!" 

Como disse, o povo busca a salvação e para isso precisa de um senhor, um tutor, um salvador.... Por esta razão, avalio como um texto conservador.

2 - Não devemos negar as mazelas da sociedade ali expostas. Devemos aprofundar o debate sobre suas reais motivações e qual papel cumprem na luta de classes. Cabe destacar também quais problemas foram silenciados. 

3  - Amigos jornalistas do carnaval, cientistas sociais e pesquisadores, a Beija-flor deixou muito claro que é necessário entender as escolas de samba na perspectiva da tradição escravista. Ou minimamente, entender a disputa de poder que ocorre no conjunto das suas relações sociais e o papel que as organizações Globo jogam neste evento.

4 - A polarização com o prefeito Crivella, por si só, não nos leva a lugar nenhum. Existem outros problemas a serem debatidos no meio do carnaval.

5 - O carnaval de 2018 nos ajuda a entender o golpe de 2016.


Alipio Carmo é Jornalista e militante do Partido dos Trabalhadores (PT).

Um comentário:

  1. Acabei de assistir o JN. É evidente que eles cederam ao bombardeio da internete e exibiram mais os protestos mas tiveram a cara de pau de dar uma ênfase contra o Crivela como se ele fôsse o responsável da mazela denunciada principalmente pela Tuiuti.

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