Folia e rebeldia: arrisco alguns palpites, por Gilberto Maringoni

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É muito cedo para qualquer avaliação sobre o impacto de pelo menos dois acontecimentos de ontem na cena política, a Paraíso do Tuiuti e a ocupação do Santos Dumont. Tenho o péssimo hábito de pensar em voz alta, infernizar quem me é próximo com longas conversas telefônicas antes de opinar. Busco aqui algum diálogo com amigos do FB. Quem tiver paciência, please, opine.

1. Estamos em uma época de muita politização e pouca mobilização. Mas o desfile da Tuiuti e a ocupação do aeroporto carioca pelos foliões são eventos muito fortes.

2. Constituem-se em fenômenos diferentes. A exuberância e a imediata aceitação, adesão e difusão da conexão entre escravidão, golpe e reformas regressivas realizada na Sapucaí mostra que milhões de pessoas compreendem uma narrativa sofisticada.

3. Trata-se de ligações histórico-políticas que poucos - pensava eu - faziam. Agora não, todo mundo sabe e entende. Grilhões e reforma trabalhista, vampiro "neoliberalista" e patos da Fiesp, navio-negreiro e manipulação das pessoas formam um conjunto articulado. Nem mil cursos de formação política executariam o que a escola dirigida, entre outros, por Jack Vasconcelos, realizou quase em rede nacional.

4. A ocupação do Santos Dumont complementa as evoluções no asfalto. Embora com um contingente mais restrito de pessoas, combinou-se festa e ousada decisão. Tivemos aqui, de verdade, um gesto ruidoso de desobediência civil. Não passou na Globo com o destaque da escola, mas é também algo significativo;

5. Por todo o país, ações de folia e rebeldia no mesmo tom se reproduzem.

6. Ao mesmo tempo - e aqui é puro impressionismo - o apoio a Lula parece ter aumentado. Falo por mim e nada há de ciência nisso. Amigos das classes populares com quem há meses converso - vários eleitores de João Dória ou que torceram pela queda de Dilma - , decidiram votar no ex-presidente ou em alguém por ele indicado. Alguns afirmam terem decidido "com raiva", ou "por vingança".

7. Nenhuma das pessoas com quem converso acha Lula santo. "Roubou, e daí?" me diz um camelô. "Eu também não sou puro, faço das minhas", emenda, para completar: "No tempo dele, comprei computador, TV da melhor, carro zero e tudo. Agora não posso gastar. Isso é o que interessa".

8. Não escrevo por apoio a Lula - não é meu candidato no primeiro turno -, mas pelo fato de o petista encarnar uma vasta e difusa sensação de protesto.

9. É cedo para dizer que o jogo virou, mas os golpistas perderam a disputa de ideias e emoções na sociedade. Mas não tenhamos ilusões: seguem no comando por seus sólidos laços na superestrutura. Em bom português, nas instituições de Estado, em especial no Congresso e no Judiciário, além da mídia. O capital financeiro banca o jogo e contam ainda com um violentíssimo aparato de segurança. Vieram a serviço e não a passeio.

10. A única saída que têm é aprofundar o golpe. Num primeiro momento isso se traduz em prender Lula com máximo estardalhaço. Em seguida, obstruir cada vez mais os canais de participação existentes, criminalizar manifestações populares etc.

11. Resta saber se a direita tem unidade entre si para bancar o jogo pesado. Não conseguem fabricar um nome para outubro. Estão com sérios problemas para aprovar a reforma da Previdência. A disseminação da notícia - verdadeira ou falsa - de que Bolsonaro quer metralhar a Rocinha e a fragilidade de Luciano Huck, que não aguenta uma manchete desfavorável, mostra que a partida não é tranquila para o outro lado.

12. As próximas semanas serão definidoras sobre a prisão de Lula. Depois desses dias de folia, as incertezas para eles podem ter aumentado.O encarceramento talvez tenha consequências imprevisíveis. O carnaval pode ter disparado disparado um gatilho social irrefreável... sublinho a palavra "pode".

(Não tenho muitas conclusões, pois o jogo está pelo meio. É delírio meu ou algo aqui tem nexo?)


Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e diretor da Fundação Lauro Campos. Foi candidato do PSOL ao governo de São Paulo (2014).

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