O custo social da privatização do Estado, por Sergio Araújo

Publicado no Sul21.


Ao ser indagado sobre as razões pelas quais a Prefeitura não vem realizando serviços básicos como cortar a grama e tapar buracos nas vias pavimentadas o prefeito em exercício, Gustavo Paim, apontou a situação precária do erário municipal e a burocracia como as principais causas. Uma argumentação muito parecida com a usada pelo governador Sartori para justificar a inércia de sua administração. Falta de recursos.

Ok, tem diversos estados e muitos municípios na mesma situação de penúria financeira. Mas no caso do Rio Grande do Sul o assunto vem sendo tratado pelos governantes e uma parte significativa da mídia como se fosse uma situação pontual e de exceção. Alguém lembra do último governo que teve dinheiro sobrando? Pois é, e salários eram pagos em dia e investimentos eram realizados em áreas consideradas prioritárias.

Aliás, por falar em precariedade financeira, o governo Sartori “deu com os burros n’água” na tentativa de obter o auxílio do Tribunal de Contas para provar à Secretaria do Tesouro Nacional que o Estado do Rio Grande do Sul ultrapassou o limite legal de comprometimento da Receita Corrente Líquida com pessoal. Segundo o TCE o percentual de comprometimento em 2017 foi inferior a 55% e não superior a 70% como diz o Piratini.

Mas se a estratégia do quanto pior melhor não está dando resultados, o chororô governamental corre solto. E faz isso pública e despudoradamente através dos seus apoiadores da imprensa e das entidades que representam o poderio econômico privado. Afinal, há uma intenção inconclusa, que é a privatização da máquina pública.

E isso vale tanto para o governo do Estado como para a Prefeitura de Porto Alegre. Ou as extinções de fundações e a tentativa de venda de órgãos superavitários como a CEEE, a Sulgás, o Banrisul, o DMAE e o DEP não são tudo “farinha do mesmo saco”?

E é essa tentativa, esse discurso, de que os serviços públicos seriam melhor geridos se fossem realizados pela iniciativa privada, que motiva o título desse artigo. Que conversa é essa? Onde está a comprovação disso? Se existem problemas na gestão pública dos serviços públicos, e existem, o mesmo ocorre na atuação das empresas que prestam serviços ao Estado. Entenda-se como Estado todos os entes federados (União, Estados e Municípios).

Não somente na qualidade dos serviços prestados, como na malversação dos recursos. Ou o superfaturamento de obras, realização de licitações fraudulentas e pagamento de propinas não representam um conluio nada republicano entre gestores públicos e privados? Ou seja, são dois lados de uma mesma moeda. Então que história é essa de que um é bonito e o outro é feio? Que um funciona bem e o outro funciona mal?

Falemos francamente. O que difere a administração pública da administração privada é o foco. No primeiro caso a intenção é política. Manter-se no poder para poder apadrinhar os seus. No segundo, econômica, para manter o privilégios da concentração de recursos nas mãos de poucos E nessa disputa (ou será associação?) por vantagens o interesse público paira como uma nuvem carregada sobre as cabeças do cidadão, especialmente daqueles que mais necessitam do apoio do Estado. E dos servidores públicos, claro.

Sem falar no contribuinte que despende 40% dos seus ganhos com impostos e taxas que deveriam se transformar em serviços públicos de qualidade. Mas não, tal qual um saqueador impiedoso, Estado e grandes empresarios impõem-lhe um tratamento bastardo. Quer andar por estradas em boas condições? Pague pedágio. Quer oferecer um ensino de qualidade aos seus filhos? Coloque-os numa escola privada. Quer ter sensação de segurança? Contrate um serviço particular de vigilância. Quer contar com atendimento de saúde confiável? Faça um plano de saúde privado.

E isso não começou hoje. Faz tempo que esse desmonte vem sorrateiramente sendo promovido. Querem ver alguns exemplos? Peguemos o caso da buraqueira de Porto Alegre. Historicamente quem faz a manutenção da pavimentação das ruas e avenidas da capital é a SMOV. Mas aí veio o “sopro da modernidade” e decidiram que era melhor contratar empresas privadas para fazer o serviço. E aí tudo ficou mais difícil. Os custos aumentaram e a burocracia também. Resultado? Buraqueira generalizada e desculpas protelatórias e improdutivas.

Se ficarmos no exemplo das vias públicas veremos que o mesmo ocorre com as estradas estaduais. Depois de anos de sucateamento do DAER, que chegou a ser considerado modelo nacional na área de conservação e restauração de rodovias, o Rio Grande ficou dependente da atuação das empreiteiras. Resultado? Com a escassez de recursos as estradas ficaram esburacadas e mal sinalizadas. E pensar que um dia um presidente da República (Washington Luís) chegou a profetizar que “governar é construir estradas”.

O mesmo pode ser dito da reforma de prédios escolares do ensino público. Sem valorizar a expertise da Secretaria Estadual de Obras, qualquer conserto agora depende da terceirização dos serviços. Resultado? Diversas escolas estão com parte das suas instalações inoperantes e, nos casos mais graves, com o prédio interditado. Resultado? Escolas estão sendo fechadas.

E tem quem ainda diga que a privatização dos serviços públicos não retira do Estado o direito de fiscalizar a execução das obras por ele contratadas. De que jeito, se não existe fiscais em número suficiente? E contratar novos servidores mediante concurso público nem pensar. No caso da capital, segundo a prefeitura, por insuficiência total de recursos e, no caso do Estado, pelo contingenciamento imposto pelo Regime de Recuperação Fiscal, tido pelo governo estadual como a “tábua de salvação” para a crise financeira.

Mas então o que fazer para impedir a continuidade dessa fórmula ineficaz e destruidora? Simples. Eleger governantes que deem prioridade às pessoas e não às negociatas. “Ah, mais isso significa revolucionar a mentalidade dominante”, dirão os mais conscientes. Sim, é verdade. Difícil? Sim. Impossível? Não.

Basta apostar naqueles que comprovadamente sabem o significado e a importância da cidadania. E que pratiquem isso nas suas ações diárias. Em casa, no trabalho, com os amigos, com os vizinhos, com os menos afortunados e, óbvio, na sua atuação política. Mas existe alguém com esse perfil? Sim, vários. Certamente não estão sob os holofotes da mídia. Muitos até nem militam na política. Mas estão aí, atuando na maioria das vezes atuando discretamente e muitas vezes no anonimato.

E é aí que se encontra o fio da esperança de melhora. Estamos precisando de gente que ainda não foi inoculada com o vírus da rapinagem política. Que não sejam profissionais da arte do engodo, da mentira e da desfaçatez, e que estejam dispostos a mudar radical e positivamente o que aí está. Como você pode ajudar nisso? Descobrindo quem são, incentivando-os a concorrer à cargos eletivos, votando neles e depois apoiando-os na sua missão transformadora.

Só assim estaremos criando condições para a construção de um novo recomeço para o alcance de antigas aspirações. Caso isso não aconteça precisaremos encontrar uma resposta para a seguinte indagação: Para que serve o Estado e qual o preço socialmente justo para a sua venda à iniciativa privada?


Sergio Araújo é Jornalista.

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