Sobre o circo e o pão, por José Luis Fevereiro

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A corrupção é um obvio problema que sempre tem e sempre terá que ser combatido. O aparelhamento do estado como forma de viabilizar coalizões parlamentares de sustentação dos executivos não deve nem pode ser um mal necessário nem um problema a ser secundarizado. Mas com certeza esse não é o principal problema brasileiro.

Até novembro de 2017 a operação lava jato recuperou para os cofres da Petrobras 800 milhões de reais provenientes de acordos de leniência e de acordos de delação premiada. Valor importante sim, mas inexpressivo se comparado com outros números como por exemplo a queda do produto interno bruto do Brasil com a depressão econômica de 2015 a 2017 que levou a uma perda de quase 500 Bilhões no PIB, impactando a receita de estados e municípios, com a decorrente quebra dos investimentos, atrasos de salários e aumento do desemprego. Depressão fabricada para produzir um ajuste no custo do trabalho que viabilizasse novo ciclo de acumulação de capital.

O Brasil, junto com a Estônia é um dos poucos países que não tributam distribuição de lucros e dividendos cujo potencial arrecadatório anual seria da ordem de 60 a 80 bilhões de reais, embora cobre impiedosamente imposto de renda de assalariados que ganham a partir de R$1903 mensais. O Brasil cobra imposto sobre heranças de no máximo 8% quando nos EUA a alíquota máxima chega a 40%. Por aqui as grandes fortunas passam de geração em geração incólumes, enquanto o país se dedica a taxar as grandes pobrezas como disse muito bem o economista David Deccache em artigo recente.

Enquanto os 10% mais ricos pagam cerca de 17% da sua renda em impostos, os 40% mais pobres pagam 32% da sua renda em impostos. Segundo dados da Oxfam Brasil quem tem renda mensal de 80 salários mínimos (R$63.000) tem uma isenção media de 66% da sua renda, quem tem renda mensal de 320 salários mínimos (cerca de R$252.000) tem isenção media de 70%, e quem ganha de 1 a 3 salários mínimos tem isenção media de 9% ( dados de 2016). Esse é o retrato a branco e preto, com frequência literal, da desigualdade no Brasil.

Resta por obvio que a desigualdade, a injustiça social e o controle da agenda pelos mais ricos é o principal problema do Brasil. Reformas trabalhistas que visam reduzir o custo do trabalho e aumentar o espaço da acumulação de capital, reformas previdenciárias que buscam reduzir o caráter redistributivo da previdência publica, corte de gastos públicos, aprovados por um Congresso de não usuários de serviços públicos, fazem parte do pacote.

Do ponto de vista da politica a imposição da agenda da corrupção como a raiz de todos os males funciona como o biombo atrás do qual se esconde a agenda da guerra de classes movida pelos ricos contra os pobres. “Olha lá o ladrão preso e acorrentado” enquanto o teto dos gastos é aprovado, a recessão aprofundada , as contra reformas aprovadas e nova rodada de concentração de renda é feita. A parcela da esquerda que prioriza essa pauta está prestando serviços á Casa Grande. Não se trata aqui de defender corruptos ou relativizar crimes de quem quer que seja, mas de entender que quanto mais rápido conseguirmos girar a pauta da centralidade da corrupção para a centralidade da desigualdade, maior a chance de retomar a iniciativa.

A agenda da corrupção é a oferta do circo enquanto se corta o pão.


José Luis Fevereiro é Economista e está membro da direção nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

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