A Cultura saqueada pela grandeza do espetáculo, por Adair Rocha

Dia desses, numa entrevista na TV, Fernanda Montenegro perguntava: quando o executivo, o legislativo ou o judiciário, isto é, todas as instâncias de governo, ao discutir, enfrentar ou decidir numa aguda crise na área da economia, da saúde ou da educação e até mesmo sobre a corrupção, chamou o Ministério da Cultura para participar, discutir e decidir que caminho seguir?

Enquanto isso acontece, o governo estará tangenciando do ponto de vista corporativo ou da reprodução de pautas externas, às questões reais da política econômica e da política pública. Trata-se, portanto, do desafio do tratamento político do estado de toda e qualquer questão da gestão pública e da gestão territorial.

Falar do Estado democrático nas suas diversas dimensões, é falar da cultura, assim como quando se refere às ditaduras, é também de cultura que se está dizendo, na sua perspectiva mais maligna. Nesse sentido, a cultura da dominação prevaleceu não só nas práticas autoritárias de Estado, mas subjaz ao modelo escravocrata, até hoje em voga, como parte do tecido relacional incorporado pela sociedade brasileira, qual subjetivação perversa do modelo de corrupção.

O que quer dizer que tudo que significa é cultura. Portanto, política é também uma dimensão da cultura, como tenho escrito. Fica então mais fácil de entender o tratamento secundarizado da cultura na definição orçamentária, via de regra com menos de 1% da mesma. Sua dimensão EVENTUAL, reduzida á sua dimensão mercadológica, também  fica reduzida ou sequestrada à grandeza do espetáculo. Isso justifica outro absurdo transformado em normal com as chamadas leis de incentivo que mais não são que o biombo de marketing empresarial em nome do poder público. E é claro, relembrando Fernanda, se o Ministério da Cultura não vai ser lembrado para a definição política da gestão, seu orçamento continuará pagando sua estrutura institucional.

E a pergunta torna-se ainda mais grave: que cultura é essa que naturaliza a dominação e o preconceito, inclusive e sobretudo, nas decisões institucionais. Há unanimidade, hoje, por exemplo, , nas análises de especialistas e de autoridades das instituições de repressão, que o critério de abordagem racial e de classe ainda vige, com o agravante da execução de tais práticas serem feitas, em grande parte, por negros/as e empobrecidos(as).

Portanto, acesso e direito são peças fundamentais na produção da política cultural (e políticas públicas em geral), quando diversidade, pluralidade,, tradição, arte e felicidade são critérios para se definir o papel do Estado na condução da gestão pública que considere a cultura para a significação subjetiva do público e do comum.

Vale dizer, portanto, que quem faz cultura é a população na sua perspectiva de desenvolvimento, no processo democrático, sempre inconcluso, quando a cidade periférica emerge e favela é cidade, o contexto urbano se reinventa, quando a cultura de segurança, por exemplo, já não se resume à polícia ou saídas repressivas, mas com acesso e direito como cultura do COMUM.


Adair Rocha é Professor da PUC-Rio e da UERJ. É autor de "Cidade Cerzida"

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