Sobre o ensino religioso nas escolas públicas, por Pedro Fassoni Arruda

Publicado em seu perfil no Facebook.

1. Todo conhecimento científico parte da dúvida. Elaborar uma hipótese e buscar a sua comprovação são tarefas do cientista. E isso é válido para todas as ciências: físicas, biológicas, sociais etc. A religião lida com outra coisa, que é uma questão de foro íntimo: a fé.

2. O que vale para os outras ciências também vale para a ciência politica. O que seria do pensamento político sem a revolução metodológica de Maquiavel, Hobbes ou Montesquieu? Certamente, continuaríamos acreditando na doutrina da predestinação e na teoria do direito divino...

3. A escola e a universidade são por excelência o lugar da crítica, do contraditório e do livre-pensar. Essa visão não é exclusiva do marxismo, mas de todos os teóricos do liberalismo que vão de John Locke até J. Atkinson Hobson.

4. Marx inventou a teoria das lutas de classes? Ele próprio reconheceu que não. Ele disse que apenas estendeu essa teoria para além do capitalismo. Mas hoje a escola capitalista censura a teoria que ela mesma criou.

5. A burguesia já foi uma classe revolucionária (muito antes no campo da crítica do que na ação politica), mas assim que tomou o poder, tornou- se conservadora. O anticlericalismo dos primeiros filósofos liberais entra em flagrante contraste com a atual defesa que os falsos liberais fazem do ensino religioso...

6. Ciência e fé são coisas diferentes. A ciência, como já falei, parte da dúvida. A fé apóia-se em certezas, também conhecidas como dogmas (que são atemporais). Isso significa que o professor pode ser legitimamente questionado na sala de aula pelos alunos, ao contrário dos padres, bispos, rabinos etc.

7. No Estado laico, a religião é uma questão de foro íntimo: qualquer pessoa pode seguir ou se converter ao cristianismo, Islã, judaísmo, espiritismo, budismo etc. Ou seja, frequentar a igreja, Mesquita, sinagoga, templo ou qualquer outro local de culto. Qualquer pessoa pode acreditar em Thor, Zeus, Tupã, Quetzalcoátl ou Huitzilopóchtl... Mas os locais de culto e adoração não podem ser confundidos com os locais de produção do conhecimento científico.

8. Quem vai à igreja, de certa forma acata os seus princípios e lógica de funcionamento. Qual seria então a utilidade das escolas e universidades, se elas fossem regidas pelas mesmas regras? Ora, a investigação científica seria inútil...

9. A educação nas escolas deve ser libertadora, inclusiva e questionadora de certos valores e comportamentos. Não existe conhecimento científico sem liberdade de cátedra e autonomia universitária. A proposta de uma "escola sem partido" é tão autoritária como a tentativa de impor o ensino religioso nas escolas, quando as pessoas são livres para procurarem os lugares apropriados se quiserem. Não admitiremos mordaças.


Pedro Fassoni Arruda é professor do departamento de Política da PUC-SP.

Nenhum comentário: