Nova esquerda? Dilemas de um debate muito bem vindo, por Ricardo Cappeli

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O aprofundamento das contradições capitalistas, movimentos como o “Ocupe Wall Street”, o “Podemos” espanhol, Bernie Sanders, Mélenchon, e o fenômeno do Partido Trabalhista Britânico, Jeremy Corbyn, somados à crise vivida no Brasil, têm suscitado importantes reflexões sobre o futuro da esquerda brasileira. Após treze anos no governo central, de estarmos a caminho de completarmos trinta anos de democracia ininterrupta, com apenas dois presidentes concluindo seus mandatos, é importante e muito bem vindo este debate. De onde viemos? Para onde vamos? O que temos a corrigir?

É artificial querer transpor a realidade de países com naturezas e formações históricas tão distintas, mas estes fenômenos nos servem de provocação e inspiração. Parece haver um vetor comum entre eles. A “Nova Esquerda” se afirmou e encontrou seu espaço a partir da capitulação e do fracasso da esquerda tradicional.

A esquerda brasileira teria igualmente capitulado e fracassado? Apesar dos muitos limites, não me parece o caso.

O Lulismo é a principal força. Apesar de ter “registro partidário”, é muito maior que um único partido. Ocupa na sociedade o espaço que já foi de Trabalhistas e Comunistas. De forma simplista, se assenta numa lógica, na “verdade” de que podemos, negociando a exaustão como bons sindicalistas, chegarmos a um denominador. Haveria um ponto de equilíbrio social satisfatório para todos. Conciliar interesses, acomodar disputas, incluir todos num capitalismo domesticado, dócil e próspero são sua alma. Se não foi capaz de avançar em transformações estruturais(teve força para isso), o que imporia rompimentos e contradições inevitáveis, é injusto acusá-lo de capitulação. Foi o condutor de avanços sociais extraordinários e incontestáveis.

Lula continua sendo a questão central. Sua liderança e impressionante capacidade de comunicação com a alma do povo, ocupa “todo o espaço”. O “novo” só terá lugar com sua inabilitação(que não se confunde com impedimento de disputar uma eleição) ou superação, questões ainda não colocadas.

Setores mais sectários da esquerda, ligados as bandeiras multiculturalistas, têm ocupado com inteligência um novo espaço que se abriu. Ética, Gênero, Sexualidade, Drogas, só para citar algumas bandeiras(que curiosamente estão presentes em todas as novelas globais), se somam a negação da política e dos partidos, encontrando guarida em considerados setores de classe média dos centros urbanos. Irão crescer nas próximas eleições, não tenho dúvida. A natureza desta identificação parece não ser sustentável. É difícil crer em mudanças estruturais à esquerda ancoradas na classe média. Boa parte do ódio a Lula surgido nestes setores sociais vêm da “disputa” aberta pelo Lulismo, entre estes e os que ascenderam, por um lugar social. Empregos, universidades, e etc., antes “reserva de mercado”, passaram a ser disputados por quem no passado apenas assistia. Alguém ficou com a sensação de perda de espaço? Evidente que sim, não enriqueceu e foi “acossado pelo flanco”. Bolsonaro é a face conservadora do mesmo fenômeno.

Qual seria o conteúdo da nova esquerda? Um projeto desenvolvimentista nacional-popular que privilegie a produção, a distribuição de renda e o emprego, em confronto com a visão liberal rentista? E a questão dos monopólios privados como Globo, JBS e outros, alguns incentivados pela esquerda? É possível democracia e uma economia de mercado com eles? Como fica a visão do Estado? Aqui talvez resida outra questão de fundo. A visão do republicanismo “asséptico”, e na minha opinião, ingênuo e “desarmado”, ou a leitura marxista do Estado como instrumento e partícipe ativo da luta de classes?

Enquanto a sombra do ex-presidente pairar, dificilmente estas questões serão depuradas. No dia seguinte, será inevitável uma reorganização. Os lugares não serão mais os mesmos, as expectativas de poder se deslocarão
O povo é progressista na economia, defende a presença do estado, e é conservador em questões comportamentais. Crivella não é Prefeito da cidade tida como a mais “livre” do país por acaso.

O último discurso de Mélenchon nas eleições francesas é simbólico. Saudado por setores da esquerda, é absolutamente vazio para a grande massa de nossas periferias, apesar de tocar em pontos relevantes. O caminho da esquerda seria um “resgate hedonista “, pedalando pelas ciclovias da Vila Madalena de vermelho ou celebrando acampamentos foquistas na porta da FIESP enquanto o país é governado por uma ampla e reorganizada frente rentista-conservadora? Desconfio que não. Muitas questões e um bom debate pela frente.


Ricardo Cappeli é Jornalista e está Secretário de Representação Institucional do Governo do Estado do Maranhão no Distrito Federal.

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