Capital, razão e o Brasil de hoje, por Fernando Horta

Publicado originalmente no Jornal GGN.


Todos conhecemos a chamada “Lei do Retorno”. Aquele que diz que tudo o que você faz para o universo você recebe de volta. Para os místicos é um princípio universal imutável. A Física tem algumas interessantes teorias sobre conservação de energia, sobre o par ação-reação e mesmo nas teorias do caos, entropia e etc. No fundo parece que o ditado “místico”-religioso encontra algum fulcro na ciência moderna que respalda sua validade.

Pois é exatamente este princípio que explica a postura da mídia oligárquica brasileira em sua guinada para derrubar Temer. No último mês, muitos têm estranhado a postura da mídia (em especial da Globo) que “esqueceu-se” de Lula e ataca Aécio e Temer. A razão é bastante simples, conhecida desde o século XIX, aliás.

O capital é pragmático, busca os maiores ganhos possíveis com o menor risco. Assim as teorias estruturais explicavam o capitalismo. A que melhor explica, até hoje faz um sucesso grande no mundo: o materialismo histórico, que alguns, com certa dose de erro, chamam de “marxismo”. Segundo esta teoria, a ação dos detentores do capital poderia ser igualada a uma regra fundante do capitalismo: obter sempre e cada vez mais lucro. Na prática, o século XX costuma ser explicado desta forma. Guerras, fome, violência, propaganda, política, informação e tudo o que você vier a pensar é visto como um meio para que o capital possa receber cada vez mais pelos seus “investimentos”.

No Brasil não é diferente. Trata-se sempre de ganhar mais. A qualquer custo.

Ocorre que esta “lei” estrutural sofre, por vezes, revezes interessantes. Olhando-se mais a fundo o comportamento dos agentes (das pessoas, empresas e etc.) percebe-se que nem sempre suas escolhas resultam num ganho material. Seja por erro de cálculo, seja porque algum condicionante cultural ou psicológico consegue tomar à frente da questão do “ganhar”, o fato é que nem sempre os resultados podem ser descritos a partir da vontade dos atores.

As empresas de mídia no Brasil, aquelas que vendem informação, são capitalistas, por óbvio. Mas são também empresas familiares, oligárquicas e que quase sempre se percebem como uma “nobreza” no Brasil. Quase um baronato da informação. Neste sentido, sua sanha de poder pode efetivamente atrapalhar o bom andamento dos negócios. E foi precisamente o que aconteceu entre 2013 a 2017.

No final de 2014 um grupo de anunciantes de peso da mídia brasileira contratou uma consultoria alemã para responder a seguinte questão: “A postura abertamente política dos meios de comunicação no Brasil está afetando a relação comercial dos produtos que usam estes meios como publicidade?”. A pergunta era clara, afinal, ao assumir uma postura política provoca-se repulsa ou atração nos consumidores. Não há linguagem mais responsiva ao mercado do que a publicidade. É simples. É quase matemática. Se você espancar um cliente dentro de um vôo para retirar a ele do avião, isto provocará repulsa nos consumidores e seu mercado vai reduzir. Procurem o escândalo recente da United Airlines. No Brasil, se você fizer uma propaganda de extremo mau gosto com uma figura pública falecida, o preço de suas ações vai despencar na bolsa. Vejam o que aconteceu com as Lojas Marisa.

Em tempos de comunicação quase instantânea, muitas vezes não se consegue sequer pagar para uma ação publicitária de resgate de emergência. No Brasil estava acontecendo um fenômeno interessante. Quando uma marca tem uma rejeição tão grande que o investimento em publicidade nesta marca representa um ganho de mercado real para o concorrente. Agora imagine este nível de rejeição no veículo de publicidade, contaminando a todas as marcas que nele se colocam.

Hoje, no supermercado ouvi a seguinte pérola: “Não vou comprar a marca XXXX porque não quero enriquecer o Lulinha”. A pessoa falava seriamente. A ignorância e esquizofrenia insuflada pela mídia brasileira, por mais de dois anos, criou uma sociedade irracional. Uma sociedade em que os modelos de comportamento baseados no “ator racional” (aquele que busca maximizar seus ganhos através de um cálculo custo benefício) está entrando em curto-circuito. Neste cenário, se a marca XXXX investir em publicidade pelos canais rejeitados, seu concorrente direto experimenta um ganho de mercado. A irracionalidade faz com que o investimento de um empresário jogue contra ele.

Foi exatamente isto que a consultoria alemã pesquisou. Junte-se a isto o fato de que há nove trimestres o consumo das famílias no Brasil vem decrescendo, e que a Rede Globo está com um nível de inadimplência de 11% (quando nunca tinha atingido mais do que 3%), você entende que, finalmente, caiu a ficha deles. Uma empresa do tamanho da Globo tem um custo fixo imenso. Não pode passar muito tempo com redução do valor dos seus produtos (espaços publicitários). Afora isto, vários empresários se deram conta de que não interessa a ideologia do cliente. Interessa que ele compre. E quando você gasta dinheiro para desestabilizar um país, há que computar no custo o tempo de reestabilização.

O governo Temer corre com as reformas para minorar o prejuízo da parte do capital que apoiou o golpe. Se houvesse, de imediato, a reforma trabalhista, existiria uma forma de recuperar parte dos valores “investidos” para fazer o golpe acontecer. O problema é que Temer não conseguiu fazer a reforma e, para piorar, os proto-fascistas empoderados passaram a atacar indiscriminada e esquizofrenicamente tudo o que viam pela frente. O caso da operação “A carne é fraca” é o exemplo mais brilhante, mas não o único. O capital compreendeu que não só perde tendo que pagar propina para político, não só corre o risco de ser preso pela propina que pagou (enquanto o político que recebeu fala em “honestidade”), mas corre o sério risco de que a desestabilização política produzida provoque um prejuízo que não foi inicialmente quantificado.

Fazer pessoas com ressalvas cognitivas ficarem paranoicas por uma suposta “ameaça comunista” no Brasil pode ser bom para derrubar um governo. Mas quando esta paranoia faz com que estas mesmas pessoas achem todos “corruptos” e associem empresas a esta corrupção e façam ligação com políticos de forma errática, temos a lei do retorno. A ignorância que foi produzida, volta. E volta empoderada. Volta orgulhosa da sua burrice e de tudo o que ela acredita ter feito. E bate no peito “pelo meu país”. E grita contra bandeiras “políticas”. E agride cores tal qual um touro descontrolado. E não compra o produto A porque a empresa é “comunista” ou o dono é o político X ou Y. Sendo ou não verdade.

Para desfazer isto, agora, levará tempo. Tempo que o capital não tem. A escolha racional agora manda que o capital abandone os meios que lhe fizeram mal e busque publicidade neutra. Canais imparciais que não tenham os preconceitos políticos que trazem prejuízos imediatos. Google, Facebook e outros agradecem à Globo. E a mesma Globo corre para tentar parecer imparcial, neutra e profissional. O problema é que se já desagradava a um lado, agora desagrada ao outro.

Tudo o que vai, volta.


Fernando Horta é Graduado em história pela UFRGS e mestrado em Relações Internacionais pela UnB. Atualmente é doutorando da UnB. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da Ciência, Epistemologia e Teoria de História e de Relações Internacionais.

Nenhum comentário: