Lula e a preferência dos eleitores, por Marcos Coimbra

Publicado originalmente na Carta Capital.


Parece que, para algumas pessoas, a larga vantagem que Lula tem nas pesquisas é apenas uma questão numérica. Agem como se ele estivesse na frente por haver apertado o botão em uma daquelas maquininhas que geram números aleatórios e recebesse 30 ou 40.

Pior, há quem pense que o conjunto de pesquisas disponíveis tem um erro qualquer. Que os algarismos que mostram a liderança de Lula são falsos, como se as maquininhas, por padecerem de algum defeito de fabricação, produzissem resultados sistematicamente enviesados. Aí estaria a causa de Lula estar bem e seus adversários, mal.

Quem se compraz com essas suposições imagina que, um dia, a “ilusão” da liderança de Lula desapareceria. Acredita que, com a aproximação do pleito, a vantagem puramente numérica que possui na atualidade se desfaria, enquanto melhorariam as chances dos demais candidatos.

Os que creem nisso não percebem que, por trás dos números que as pesquisas apontam, há pessoas. Cidadãos de pleno direito, totalmente capazes de possuir e manifestar opiniões e preferências.

Por mais óbvio que seja, devemos lembrar que os resultados de pesquisas não são simples números. O que mostram são proporções de pessoas que compartilham determinadas atitudes e que se revelam propensas a adotar determinados comportamentos.

A rigor, as pesquisas atuais não dizem que Lula “tem” 30% ou 40%. O que todas mostram é que algo entre 45 milhões e 60 milhões de pessoas têm intenção de votar em seu nome para presidente no ano que vem, em qualquer cenário de primeiro turno. Em outras palavras, mesmo quando é colocado contra dez possíveis nomes, como fez uma pesquisa recente do instituto Datafolha, que seria escolhido por esse contingente de pessoas em outubro do próximo ano.

É preciso não confundir o signo pelo significado. Crescer ou cair nas pesquisas não equivale a marcar ou sofrer gols no futebol. Pontos conquistados ou perdidos no placar eleitoral traduzem mudanças nas percepções e disposições de voto de pessoas reais.

É fácil perder de vista o importante quando a discussão passa a centrar-se em números, como a respeito dos resultados dessa pesquisa do Datafolha. Até por causa dela mesma, que abusou da numerologia no lugar de procurar compreender os fenômenos estudados.

À distância que estamos da eleição, não faz sentido submeter os entrevistados a 21 perguntas de intenção de voto, uma aberta de voto espontâneo e mais 20 com listas de candidatos, contando cenários de primeiro e segundo turno. A que tratava de intenções espontâneas parecia escrita para assustar os entrevistados, cobrando deles uma resposta à pergunta “Em quem você pretende votar para presidente na eleição de 2018?”, no lugar da mais usual “Em quem você votaria...” Não surpreendentemente, 52% dos entrevistados disseram “não sei” e outros 16% que em “ninguém”, inflando a indecisão e deixando apenas 32% de respostas nominais. Vale mencionar que, no passado, o Datafolha perguntava o voto espontâneo com a formulação “Em quem você gostaria de votar...?”, muito menos intrusiva.

Nas 20 de voto estimulado, 10 incluíam Lula entre as opções, mas as outras não, embora liderasse com mais  que a soma dos candidatos em segundo e terceiro lugares. Foram oferecidas opções com cenários inteiramente despropositados, às vezes contendo mais de um nome do mesmo partido, às vezes personagens sem partido e sem sinalização de que pretendem se filiar a algum nos próximos meses.

Tanto número pode servir mais para confundir do que para esclarecer. Ou para mostrar que “está tudo indefinido”, como gostam de sublinhar os analistas do grupo de mídia que controla o instituto. Pudera, afogando em aritmética até eles ficam confusos.

No fundo, o que temos é a grande resistência da elite brasileira em aceitar o resultado mais simples das pesquisas: Lula é o grande favorito para ganhar a eleição de 2018. A esta altura, apenas a violência judicial que urdem contra ele e contra seus eleitores poderia modificar o quadro.

Lula assumiu essa posição por inúmeros fatores, muitos decorrentes de suas qualidades, alguns dos defeitos de seus oponentes. O fundamental não é isso, no entanto.

O imenso número de pessoas que pretendem votar nele possui o direito de que suas preferências sejam respeitadas. Ninguém pode tirá-lo delas, por não concordarem ou por se acharem superiores e mais capazes de fazer “escolhas corretas”. Na democracia, boa escolha é a que cada pessoa faz livremente, sem tutela e patrono. 


Marcos Coimbra é Sociólogo e está presidente do Instituto Vox Populi.

Nenhum comentário: