A Constituição de 1988 e o pacto político que sustentava a República foram revogados. Por Daniel Samam


O golpe perpetrado através do impeachment sem crime de responsabilidade da presidenta eleita, Dilma Rousseff (PT), já teria sido suficiente para revogar o pacto político constitucional estabelecido em 1988. Mas os golpistas que se apoderaram do Planalto, junto ao seu consórcio de sustentação no Congresso aceleram o desmonte do Estado e a revogação por completo da Constituição de 1888.

A Constituição de 88 surgiu na transição da ditadura militar para a democracia. Não é tão progressista quanto gostaríamos que fosse, mas também não é tão atrasada quanto outros gostariam que fosse. Não é 100% a posição de ninguém, o que é bom, porque mostra que houve uma pactuação para que ela fosse elaborada. Logo após a sua promulgação começa a primeira onda neoliberal e a carta cidadã passa a ser acusada de ser a responsável pela ingovernabilidade e vem sendo desconstruída desde os primeiros governos neoliberais, no início dos anos 90, logo após o fim da "Guerra Fria" e o colapso da União Soviética (1991).

A Constituição de 1988 tinha em sua base um tripé fundamental:

a) preservação da soberania nacional;  
b) restabelecimento das liberais democráticas individuais e coletivas;  
c) garantia dos direitos sociais, com um rol de direitos trabalhistas, no seu artigo 7º, que realçava o simbolismo histórico do trabalhismo, na formação política brasileira do século XX;

Logo abaixo, podemos ver as Emendas Constitucionais (EC) aprovadas na era Fernando Henrique Cardoso (FHC), e o ataque nocivo de cada uma delas contra a Soberania Nacional (primeira perna do tripé da carta de 88), para a implementação definitiva do processo de privatização no Brasil, por meio da alteração da ordem jurídica.

a) EC 06/95 - marcou o fim do conceito de empresa nacional para possibilitar que empresas estrangeiras, apenas constituídas sob as leis brasileiras, pudessem pesquisar e explorar recursos minerais e possibilitou que empresas estrangeiras, meramente "constituídas sob as leis brasileiras", pudessem realizar a pesquisa e a lavra de minerais (incluindo o Petróleo, gás e derivados) no Brasil; abrindo o caminho para o início da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que se materializou em 06/05/1997); 
b) EC 07/95 - possibilitou que empresas estrangeiras pudessem realizar o transporte de navegação de cabotagem na costa brasileira e marcou o fim da importante Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro (fundada em 1894), em outubro de 1997, pelas mãos de FHC; 
c) EC 08/95 - permitiu a flexibilização das regras para os serviços de telecomunicações, que possibilitou a privatização do sistema Telebrás, em 29/07/1998, sob o comando de Sérgio Mota, homem de confiança de FHC; 
d) EC 09/95 - permitiu o fim do monopólio constitucional do petróleo em favor da Petrobras e abriu caminho para a aprovação da famigerada Lei 9.478, de 06/08/1997, que permite a venda dos campos de petróleo e gás do Brasil para estrangeiros.

Com o impeachment materializado definitivamente, um governo ilegítimo e sem voto tomou o poder e apresentou uma série de medidas que vão contra o povo brasileiro, sob a égide de “reformas”: do ensino médio, trabalhista, da previdência e a que estabelece um teto de gastos nas áreas de saúde e educação etc., além de iniciaram um amplo programa de privatizações e estrangulamento de Estados e Municípios brasileiros.

Hoje, um juizeco de 1ª instância - sim, me refiro ao pulha Sérgio Moro - é capaz de conduzir coercitivamente um ex-presidente e outros tantos que não ofereciam o menor risco de fuga, autorizar a publicidade de áudios obtidos por grampos da presidenta em pleno exercício do cargo, violar o direito de sigilo da fonte e da liberdade de imprensa e um grupo de concurseiros engomadinhos do Ministério Público que afirmam em coletiva de imprensa que "não tem provas, apenas convicções", deixa claro que as liberdades não estão sendo respeitas no país. Ou seja, foram revogadas as liberdades democráticas (segunda perna do tripé) garantidas pela Constituição de 1988.

No último dia 22 de março de 2017, ao ser aprovada a terceirização irrestrita nas relações de trabalho, inclusive no serviço público, e na última quarta-feira, 26 de abril de 2017, ao ser aprovada a reforma trabalhista, sentenciou-se a revogação da Constituição de 1988, com a derrubada da terceira perna do tripé da carta de 88, simbolizada pelos direitos sociais e trabalhistas.

Imagino que Fernando Henrique Cardoso et caterva estejam festejando o enterro da "Era Vargas", também sonhado pela elite entreguista e para tristeza e desamparo de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, que daqui por diante serão mais e mais explorados e não terão a mínima garantia.

Por fim, diante de tamanho retrocesso, não nos resta outra alternativa a não ser lutar por uma convocação de uma nova Assembleia Constituinte para construir um novo pacto político, que dê conta de restabelecer o equilíbrio das forças políticas e sociais no Brasil, bem como por fim à crise política e econômica que corrói a nação e seu povo.

Mas antes, devemos lutar por eleições diretas em todos os níveis (Executivo e Legislativo). Pois só um presidente eleito e chancelado pelo voto popular será capaz de liderar esse processo. E claro, será necessário um plebiscito revogatório de todo entulho aprovado desde que o consórcio golpista apeou a presidenta Dilma e se apossou do Planalto.

Vamos à luta.

Abraços,
Daniel Samam

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