Sobre a questão judaica, por Breno Altman

Uma forte divisão emergiu nos setores progressistas da comunidade judaica ao final do século XIX.

Expulsos de seu território, antigos escravos, muito antes da colonização africana, perseguidos de forma implacável pelo cristianismo, os judeus se espalhavam em diáspora, principalmente na Europa Oriental.

Era natural, nessas condições, que uma parcela importante do judaísmo, formada pelas camadas pobres e médias, aderisse às ideias de esquerda e à luta da classe trabalhadora, então nascente.

Apesar da opressão particular sofrida pelos judeus, desprovidos de direitos civis e religiosos na maioria dos países nos quais viviam, predominava no movimento socialista judaico a tese da assimilação.

Os judeus progressistas poderiam até formar organizações específicas, e era esse o caso do Bund na Rússia e na Polonia, mas como parte constitutiva e subordinada da luta revolucionária, com a integração de suas reivindicações especificas à agenda geral do socialismo.

Essa posição prevaleceu até que Theodore Herzel e seus seguidores dessem vida ao sionismo. Ao contrário do que prevalecera até então, esse grupo sobrepunha a plataforma nacional judaica à qualquer questão.

O centro de sua política era o direito judaico a se constituir como nação independente. Com o tempo, para ganhar força, apesar de sua origem laica e progressista, os sionistas se fundiram a frações religiosas, para consolidar o discurso do povo eleito e da terra prometida, visando o retorno e a ocupação da Israel bíblica, contra outros povos que passaram a habitar aquela região.

O sionismo, ironicamente, com outras palavras, reivindicava o "lugar da fala" do judaísmo, apresentado-se como herdeiro de uma certa condição natural do grupo étnico-religioso que buscava representar.

Esse campo ideológico, progressivamente rompido com a questão de classe, se transformou em corrente nacionalista, a princípio de caráter democrático, ao menos em sua própria narrativa, pois se contrapunha principalmente ao colonialismo.

Ao longo das décadas, especialmente no processo de constituição e consolidação do Estado de Israel, esse nacionalismo se transforma em chauvinismo racial, adquire uma natureza opressora e o resto da história todos conhecem, até a era de Netanyahu.

O outro setor do judaísmo progressista se vinculou principalmente ao movimento comunista. Durante a revolução russa, embora não houvesse qualquer discussão sobre cotas, cerca de um terço dos integrantes da direção do Partido Bolchevique era de homens e mulheres com origem judaica.

Não atuavam centralmente a partir de sua condição étnico-nacional, mas de sua opção revolucionária e de classe, que incorporava a agenda contra qualquer forma de discriminação e preconceito, permitindo a todos os povos do antigo império czarista viver sob o manto da igualdade de direitos e oportunidades.

Enquanto o sionismo, particularmente depois de assumida a hegemonia por suas frações conservadoras, se converteu em uma das mais perversas correntes contra-revolucionárias do século XX, os "assimilados" inscreveram seus nomes nas mais belas causas da humanidade, especialmente a do socialismo.

Mas temos que dar a mão à palmatória: o sionismo é o caso mais bem-sucedido de pauta identitária que se conhece.

Originalmente publicado em seu perfil no Facebook

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