Sobre o "lugar da fala", por Breno Altman

Há diversas e conflitivas interpretações para o conceito, mas salta aos olhos a deformação de uma de suas aplicações, que resulta na abolição da consciência de classe para si, centralizando o discurso político na dominância da consciência em si. Ou seja, a pertinência a determinado grupo - social, racial, sexual - seria a principal fonte de legitimidade para a crítica social.

Levado ao pé da letra, um operário da Manchester do século XIX teria naturalmente mais autoridade para falar da condição dos trabalhadores do que Engels ou Marx.

Um militante negro, por sua própria condição de opressão, teria um discurso mais legítimo que o fenomenal "A integração do negro na sociedade de classes", de Florestan Fernandes.

Esse tipo de raciocínio, às vezes levado a cabo com intensa e aparente radicalidade, vem sendo alimentado pelo liberalismo progressista norte- americano desde os anos 60, cuja essência é a fragmentação da luta anticapitalista, de tal sorte que o combate às suas deformações - racismo, sexismo, homofobia - transcenda e neutralize a própria ideia de superação do capitalismo e da hegemonia burguesa como elemento central de qualquer efetiva mudança social.

Do ponto de vista teórico, essa concepção tenta negar uma afirmativa de Lenin, que a consciência da classe operária vem de fora - dadas as brutais condições de opressão e anulação de direitos culturais, a construção de uma teoria revolucionária, que expresse a consciência de classe para si, seria papel da intelectualidade que se vincula à luta dos trabalhadores, mesmo que não pertença diretamente à classe.

Gramsci deu o nome a essa categoria de intelectualidade orgânica, à qual também poderiam pertencer proletários, é claro, mas não por sua condição natural de classe, e sim por terem adquirido as condições de instrução e cultura política que os elevem a portadores da consciência de classe para si.

A fragmentação proposta pelos fundamentalistas do "lugar da fala", em sua essência, é uma variante do pensamento liberal e constitui um campo de ideias funcional à renovação da hegemonia burguesa.

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