"As difíceis encruzilhadas da vida..." Por Gilberto Carvalho


Mais uma vez o Partido dos Trabalhadores vê-se numa encruzilhada, devendo tomar uma decisão polêmica. Neste caso, trata-se de nossa posição na eleição das mesas diretoras e presidências da Câmara e Senado.

Decidi apresentar estas reflexões pelo dever de tentar contribuir com o processo, sabendo que minha posição provocará divergências que reputo saudáveis e necessárias. Nestes dias, devo confessar, minha posição a respeito desta “encruzilhada” sofreu alterações, justamente em função de muitas conversas com companheiras e companheiros, além dos textos que li. Vamos ser claros: a posição mais tranquila neste momento (e que eu sustentava até agora), é a que considera que em função da situação excepcional de golpe, é reclamada uma posição mais dura e clara do nosso Partido, declarando que não votaremos em golpistas e tentando assegurar na Justiça a ocupação dos postos a que temos direito, pelo critério da proporcionalidade do número de parlamentares.

A grande imprensa acompanha esse debate e exerceu papel tradicional, nos dividindo entre “principistas” e aqueles que estão loucos para ocupar boquinhas e nomear companheiros desempregados pelo golpe e pelas derrotas nas eleições municipais. Vale dizer, não há caminho bom para nós na opinião publicada, que contamina, de maneira muito forte, nossa militância.As manifestações que nos chegam da militância são, em ampla maioria, por uma posição de nitidez, de afirmar através deste voto o NÃO ao golpe e aos que o construíram.

Há no entanto, algumas reflexões que precisam ser feitas. Arrisco algumas:

 - É preciso lembrar que esta decisão se refere apenas a uma batalha de uma guerra prolongada que estamos travando contra os verdadeiros autores do golpe, o capital financeiro internacional, nacional e seus lacaios e representantes. Sabemos que os golpistas que estão hoje na proa do processo podem (e já estão sendo) descartados rapidamente na medida em que deixam de ser funcionais ao processo. Quem viu a arrogância de Geddel, Jucá e outros ontem, sabe do que estamos falando hoje. Além disso estamos assistindo o desespero do Temer em entregar rápida, eficiente e fielmente o “produto” encomendado.

- Para nós, é preciso ter claro que, perdido o Executivo, o Parlamento é a esfera de atuação institucional que nos resta no plano nacional. Por isso, temos advogado a necessidade de uma atuação forte, consequente e muito articulada de nossas bancadas com os movimentos sociais e a sociedade civil.

- Quem conheceu a Câmara dos Deputados e o Senado Federal em tempos de democracia, se espanta com a mudança de comportamento das atuais presidências, seja em relação aos processos internos, numa ruptura progressiva dos métodos democráticos, seja no empenho em barrar qualquer participação popular em comissões e, mais ainda, nos plenários. A atuação de Renan Calheiros e Eduardo Cunha foram marcadas pela centralização ditatorial, rompendo tradições de convivência e acordos históricos em torno da ocupação dos postos nas mesas diretoras.

- O Parlamento tem sido palco de derrotas gravíssimas para nós e para nosso projeto. Quando o governo golpista e sua maioria resolvem passar o rolo compressor, o máximo que conseguimos é adiar por alguns dias as duras decisões que estão deformando o país e a Constituição e assaltando o direito dos pobres. Portanto não há que ter ilusões de que poderemos ter grande vitórias, com ou sem a participação nossa nas mesas e na presidência ou relatoria de comissões. A verdade é que enquanto o governo Temer derrete perante a sociedade e fracassa em suas medidas econômicas, ele apresenta, no entanto, um desempenho de vitórias no Legislativo de causar inveja aos nossos melhores tempos. Portanto trata̶ se de um palco de lutas fundamental nesta guerra.

- Vamos lembrar ainda que em 2017 o Legislativo será o campo de batalhas importantíssimas, como a da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista, peças chaves na implantação do novo modelo e que vão tentar atingir em cheio os mais pobres. Sem falar na absurda fábrica de Projetos, MPs e PECs em que se converteu o Planalto e suas filiais nas duas Casas, sempre prontas a favorecer o capital na linha das privatizações, da quebra de nossa soberania, e da perseguição e criminalização progressiva a todos os que resistem a seus avanços.

- Penso que o raciocínio central que devemos fazer é: como, no Parlamento, estaremos mais estruturados e capacitados para fazer o enfrentamento contra o inimigo e contra esta lógica central do golpe? Como teremos mais instrumentos para nos articularmos com a sociedade e dificultarmos a passagem deste rolo compressor, no mínimo aumentando o desgaste e fazendo crescer no meio do povo a consciência da real natureza do golpe?A resposta me parece óbvia: com participações adequadas nas mesas, presidindo comissões e exercendo relatorias nós teremos mais condições de impedir ou dificultar a marcha golpista.

- A indisfarçável preferência da imprensa dominante para que tenhamos uma posição principista só reafirma esta convicção. Quando desvirtuam nossa luta por um direito democrático como simples busca oportunista de espaço no aparelho é porque certamente para eles é melhor que não os ocupemos e fiquemos apenas nas atitudes declaratórias, de denúncia bem intencionada, mas com baixa eficácia real.

- Penso ainda que é necessário analisarmos primeiro se é possível conquistar estes espaços na base da pressão ou do recurso judicial, sem ter que realizar acordos em torno dos nomes da Presidência (até porque são processos separados de escolha e eleição).

- Em segundo lugar, mas não menos importante, é a definição da forma como devemos ocupar estes espaços. É preciso deixar claro que aqueles que os ocupam devem fazê̶ lo em nome e obedecendo os princípios e determinações da bancada e, por consequência, do partido. Ocupar tais espaços apenas para se tornar fiador da “institucionalidade e estabilidade” das Casas, de fato não nos levaria  a nada. Assim como não vale sacrifício nenhum servir-se dos espaços para montar mais aparelhos deste ou daquele grupo.Nesse sentido considero extremamente relevante que este debate rompa com a lógica de ocupação dos aparelhos por correntes internas ou por “personalidades parlamentares”. Convenhamos: a situação é grave demais para que nos dividamos entre “principistas” e “oportunistas” e para que brinquemos de divisão de espaços para satisfazer egos ou interesses de grupos.

Diante deste quadro proponho, sem nenhuma certeza definitiva, mas com forte convicção:

1) Vamos realizar esse debate nos próximos dias sem posições definitivas e vamos evitar alimentar a grande mídia com informações ou “impressões” que servem apenas para que eles explorem nossa divisão; vamos ter a capacidade de ouvir as posições dos outros, sem o preconceito que nos impede de considerar as contribuições que sejam diferentes das nossas. Nessa mesma perspectiva é importante ampliar ao máximo o debate interno com nossa militância, buscando esclarecer toda a complexidade da decisão a ser tomada.

2) Vamos formular coletivamente um projeto de efetiva democratização (ou de combate à tendência autoritária e autocrática) das Casas. O Senador Requião apresentou uma proposta, gravada em vídeo, com pontos muito interessantes para este projeto. Não podemos permitir que continuem as arbitrariedades em relação ao acesso de grupos organizados da sociedade às Casas. Do mesmo modo, devemos repudiar as tais “comissões especiais” que cortam o caminho do debate democrático e permitem aberrações como o processo das teles (PLC 79)?

3) Vamos procurar construir a unidade entre as forças de esquerda e centro esquerda. É preciso dar mais organicidade à nossa articulação com nossos aliados, através das lideranças de minoria na Câmara e Senado. No caso de candidaturas departidos aliados às Presidências das Casas precisamos tratá̶-las com grande cuidado, examinando sua viabilidade e aproveitando o momento para estabelecer estratégias de unidade e de ampliação de nossos votos pelo menos em temas específicos. Para o governo interessa a atual clivagem estabelecida entre os “pró e contra o golpe”.A nós interessa ir além.

4) Vamos aproveitar o ensejo para enfrentar o debate da unidade de nossas bancadas. O que explica nossa dificuldade em reunir e decidir posições a serem seguidas por todos os nossos parlamentares? O que explica as atuações individuais que se dão ao direito, com muita naturalidade, de contrariar posições tomadas pelo conjunto da bancada, tendendo a transformar em “cultura” aceita o que na realidade é uma ofensa ao princípio da democracia partidária?

5) Vamos analisar a real possibilidade de assegurarmos os espaços (que considero essencial), sem a necessidade de compromissos com candidatos do bloco golpista. Devemos buscar aliados na busca da prevalência dessa tradição que é coerente com os princípios constitucionais e lutar duramente por este objetivo. Se for possível, estaremos no melhor dos mundos. Só alerto que o recurso puro e simples à via judiciária vai esbarrar muito provavelmente numa das famosas decisões que considerarão o assunto como “interna corporis”, assunto interno das casas. Assim, o Judiciário provavelmente lavará as mãos.

6) Se, finalmente, formos colocados ante uma inevitável disjuntiva, ou vota-se numa das candidaturas ou estaremos excluídos dos principais espaços, não tenho receio em opinar que devemos sim negociar com altivez, coletivamente, não apenas para assegurar os espaços, como para obter compromissos definitivos dos novos presidentes com a tomada de medidas que restabeleçam o funcionamento democrático das Casas e o retorno do acesso legítimo do povo à sua Casa. É necessário reconhecer que o Parlamento é um espaço da negociação, de se sentar com o adversário ou com o inimigo, para buscar avançar posições no xadrez das lutas. Votar eventualmente num representante do grupo golpista não significa endosso de suas atitudes, e sim, conforme as circunstâncias, constrangê̶-lo a adotar posições que nossa força real no Parlamento e na sociedade nos permitem exigir e impor como condição.

7) Considerados estes objetivos e princípios, devemos enfrentar o debate com nossa militância, sem medo da complexidade do tema e aproveitando para resolver problemas de nossa conduta parlamentar que vêm se acumulando feito cultura estabelecida ao longos dos anos, alguns dos quais mencionei acima. Se o fizermos com seriedade, coragem e honestidade, tenho a convicção de que estaremos fazendo o melhor para combater o que é o centro do projeto inimigo e dando uma importante contribuição para a reconstrução de nosso Projeto.

Tenho muita convicção que 2017 poderá ser o ano de retomada de um processo que nos permitirá a revitalização do nosso partido e ao mesmo tempo, nosso reencontro com a sociedade, especialmente com os pobres. Sabemos muito bem que o fracasso cada vez mais evidente do projeto golpista não fará cair por gravidade em nossos braços o apoio e o engajamento da grande massa traída e progressivamente espoliada por eles. Há possibilidades reais das famosas propostas populistas, “para-fascistas”, mistificadoras, que se consolidam cada vez mais.

Por isso tudo, não podemos perder tempo e aproveitar cada episódio, cada “encruzilhada” para lançar uma pedra a mais na construção do nosso projeto. Um projeto que traga às maiorias não apenas a saudade dos bons tempos dos nossos governos, mas a esperança e a confiança de que é possível, neste Brasil mergulhado em profunda crise, construir um caminho novo que nos levará à retomada da construção do crescimento com justiça, do acesso aos direitos fundamentais, da plena democracia e da convivência pacífica entre os diferentes.

Com nossa ação unitária, ousada, de irmos ao encontro do povo com muito diálogo, e com a autocrítica de quem se sabe comprometido não com os erros passados, mas com a correção de rotas e condutas, haveremos de conquistar de novo a confiança e o apoio das maiorias que clamam por dias melhores.

Isso é o essencial neste momento. E tudo o que fizermos precisa obedecer à lógica desta construção.


Gilberto Carvalho - Integrante da Assessoria da Liderança da Bancada de Oposição do Senado.

Nenhum comentário: