Análise de Conjuntura

Camaradas, compartilho com vocês a certeira análise sobre a conjuntura brasileira, por Marcelo Barbosa:

Karl Marx passou a vida adulta inteira combatendo certas leituras feitas em seu nome, nas quais o fator "econômico" excluiria todas as demais mediações da realidade social. Seu principal colaborador, Frederic Engels, visando recuperar a verdadeira dimensão dialética do método criado pelo autor de "O Capital", colocou o debate em suas devidas proporções: "Segundo a concepção materialista da história, o momento em última instância, na história, é a reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu afirmamos mais. Se agora alguém torce isso (afirmando) que o momento econômico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstrata, absurda".

Não obstante esses esclarecimentos, boa parte das correntes e militantes políticos (de alguma maneira referenciadas no marxismo) continuaram a enxergar a política como um reflexo automático da economia. Isso aconteceu no passado, mas também na atualidade. Prova disso a maioria das interpretações acerca das raízes da crise política em andamento no país. Quase todas as hipóteses reanimam essa lógica não digo de preponderância, mas de exclusividade, do fator econômico.
Essa "carapuça" teórica serve para todo mundo, inclusive para mim. Sinto enormes dificuldades para enxergar os contornos políticos da presente conjuntura. Ainda mais quando se sabe que a origem do desequilíbrios exibe forte conexão com a (des)ordem financeira mundial instalada desde 2008, com seus desdobramentos locais. Mesmo assim, em meio a toda a ofensiva dos setores neoliberais - que conseguiram submeter o governo do PT e seus aliados a um cerco - ainda existe um aspecto pouco explorado na análise dos setores progressistas. Ou seja: em que medida instabilidade institucional experimentada pelo país não é fruto das tentativas do "núcleo duro" da direita no país, isto é, a coalizão PSDB- DEM, de destruir o pacto político inaugurado em 1988? Caso essa pergunta detenha alguma pertinência, a duração do quadro presente se deslocaria no tempo, adotando um feição de médio e longo prazo.

Já se discorreu- e muito- sobre o conteúdo democrático e avançado da Constituição de 1988 (com todas as insuficiências de uma carta ainda inscrita no âmbito do sistema capitalista). Não convém repetir as avaliações. Trata-se apenas de fixar a sua característica mais destacada: a de conjunto de regras democrático para a luta política de classes em curso na sociedade. A verdade é que, sob a égide da Constituição em vigência, importantes vitórias políticas foram obtidas como a eleição e a continuidade de governos progressistas, nos anos recentes e, no plano social, o tímido, embora importante, combate à desigualdade. O prosseguimento dessa dinâmica não interessa ao setor mais organizado da direita brasileira. Com isso, de forma surda: germinou um mal-estar de longa duração, tornado insuportável ao momento: a crise marcada pela existência de uma superestrutura jurídica (com toda conotação problemática do termo) jurídica voltada para ampliação da democracia política e da justiça social em contradição com a base material de uma sociedade das mais desiguais do mundo.

Pelo visto, o país atravessa o momento mais agônico desse impasse. Que vai se resolver pela afirmação da atualidade dos princípios coordenadores da Constituição de 1988 ou por sua transformação em letra morta, como querem seus detratores.

Alguma dúvida? Em 2015, todo o esforço de elaboração legislativa da parcela mais orgânica da direita brasileira visou o ataque a direitos coletivos, apenas passíveis de revogação por meio de alteração expressa da Constituição ou violações de suas diretrizes. As centenas de PECs, projetos de lei, regulamentações convergiram para quatro eixos: diminuição da maioridade penal, apoio à terceirização das atividades laborais, financiamentos empresarial de campanhas políticas e modificação do regime de exploração do petróleo. Isso sem mencionar a expectativa de um impeachment da presidente Dilma sem a menor correspondência ante as exigências prevista na Lei Maior.

Em todos os casos citados, a postura da administração Dilma foi a da defesa da legalidade, ora manifestando-se contrária às agressões ao Texto Constitucional, ora exercendo veto sobre as matérias aprovadas pela maioria de ocasião no Congresso. Dessa maneira, apesar do apoio ao chamado "ajuste fiscal", o poder Executivo tem se manifestado como guardião da ordem social avançada prevista na Constituição da República (com menos vacilações que o Judiciário e, sem o golpismo do legislativo).
Com base, portanto, na observação dos resultados da luta que mobilizou ruas e instituições ao longo desse ano, amadurece uma pergunta nas consciências: não está na hora da agenda de longo prazo, orientada para a preservação e ampliação de direitos, prevalecer sobres as exigências de uma "austeridade" sem viabilidade, em tudo e por tudo, incompatível com os preceitos derivados do pacto político promulgado em 1988?

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