Lula e o direito ao juiz natural, por Sérgio Batalha

Ontem o STF anulou por ampla maioria os processos contra Lula e enterrou a Lava-Jato. A tese de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba era defendida desde o início dos processos pelos maiores especialistas em Direito Processual Penal, inclusive pelo mestre Afrânio Jardim. No entanto, a mídia lavajatista ontem lamentava a decisão, apresentando a incompetência como uma filigrana jurídica.

Na verdade, as regras de competência de um juiz definem quais as causas ele pode julgar e são conectadas a um princípio constitucional elementar em qualquer democracia: o do juiz natural.

Diz o artigo 5º, XXXVI, da Constituição: “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e o LIII: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Estas regras resumem o princípio do juiz natural, que é o direito de qualquer cidadão ser julgado por um juiz imparcial, que tenha a competência legal para apreciar o caso, por isto ele seria um “juiz natural”. 

Uma característica das ditaduras é exatamente a de nomear juízes para apreciar casos do interesse do governo, dirigindo o resultado dos julgamentos. Sérgio Moro não teria, obviamente, competência para julgar em Curitiba supostos crimes ocorridos em São Paulo ou em Brasília. 

A tese de que ele e todos os demais acusados da Lava-Jato integrariam uma mesma “organização criminosa” a partir de uma ligação com o doleiro de estimação Youssef (que, aliás, está livre e gozando sua fortuna em São Paulo) é totalmente absurda e desmentida pelos elementos dos próprios processos.

O direcionamento ilegal da competência para a Vara de Moro teve como objetivo notório fazer um julgamento político de Lula, no qual as provas e normas legais foram desprezadas. A condenação estava decidida antecipadamente, assim como sua confirmação pelo TRF do Paraná. 

Não por acaso, Lula foi julgado em dois outros processos fora do Paraná, um em São Paulo (o da doação de um terreno para o Instituto Lula) e outro em Brasília (o do chamado “Quadrilhão do PT”). Foi absolvido em ambos, revelando que a 13ª Vara de Curitiba se transformou em um “juízo de exceção”, como acabou sendo reconhecido pelo próprio STF no recente julgamento da suspeição de Moro.

A corrupção é um crime comum em toda a sociedade brasileira e deve ser combatido com firmeza, mas dentro da Democracia e do Estado de Direito. A utilização política do combate à corrupção nos legou o governo Bolsonaro, onde a corrupção se aliou ao genocídio e ao caos.

Em tempo: Se alguém ainda fica impressionado com a retórica vazia de Luis Fux, recomendo assistir ao vídeo do Professor Afrânio Jardim sobre o julgamento de ontem. Em linguagem sóbria e elegante, ele simplesmente demonstra que Fux e Kassio Nunes são ignorantes em Processo Penal, esclarecendo que não existe incompetência relativa ou prorrogação de competência no Código de Processo Penal, que prevê, ao contrário, o acolhimento da incompetência a qualquer momento. Destaca, ainda, que o julgamento por juiz competente no Processo Penal é garantia constitucional relacionada com o próprio Estado de Direito Democrático.

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Sérgio Batalha é advogado, professor universitário, especialista em relações de trabalho, além de conselheiro e presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RJ.

Um comentário:

  1. Importante divulgar o máximo possível, esse esclarecimento, porque ainda tem gente acreditando que o STF só quer garantir a candidatura do LULA para 2022!

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