Em Nome da “Democracia” – 1, Por Paulo Branco e Pablo Gomes,


Não é de hoje que a democracia brasileira sofre ataques. Subjugar presidentes pela força das armas ou por manobras político-judiciais é um movimento comum em nossa história.

As rupturas democráticas geralmente conduzidas por grupos políticos desinteressados com o progresso do Brasil nos traz personagens políticos que buscavam, através de atalhos, alçar o poder. O desprezo pelas as regras que equilibram a sociedade desaguam em períodos de embrutecimento e convulsão social, aumentando desigualdades e o desprezo pelos direitos humanos.

O que pouco se fala é dos inimigos externos da democracia brasileira. Como ações, sabotagens e financiamentos vindos de fora do Brasil são capazes de desestruturar um país continental.

Ao que tudo indica estamos, mais uma vez, indo, à força, em direção aos interesses norte-americanos, que vem planejando uma repactuação de forças na região, a fim de manter sua hegemonia econômica e militar. O preço para nós é altíssimo.

O objetivo do texto Em Nome da “Democracia” – 1 é narrar, de forma sucinta, episódios que nortearam a ruptura democrática de 1964, para que se possa fazer um paralelo aos acontecimentos recentes, que serão descritos em um novo texto.

Em Nome da “Democracia” – 1

Em 13 de Março de 1961, o presidente dos EUA, John Kennedy, discursa em Washington pela criação da Aliança para o Progresso.  O projeto visava, através da proteção do EUA, conter o risco do comunismo no continente, além de promover boas ações para os vizinhos da América Latina.

“Vamos, mais uma vez, transformar o continente americano num vasto campo de ideias e esforços revolucionários. Nossa aliança para o progresso é uma aliança de governos livres.”.

A determinação do governo americano desenvolvera uma estratégia ampla no Brasil. O objetivo era preparar o terreno conquistando mentes e corações dos brasileiros.

Através dos IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais – filmes publicitários, desenhos animados, documentários e propagandas políticas, alinhadas a política dos Estados Unidos, seriam transmitidos em praças públicas no interior, cinemas e nos intervalos de almoço de grandes empresas.

Outra organização alinhada à conspiração foi o IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática – que, também através do capital do governo norte- americano, financiou meios de comunicação que pudessem construir uma imagem negativa do presidente João Goulart. Somaram-se aos meios de comunicação, deputados e governadores (250 deputados federais, 8 governadores e 600 deputados estaduais) que também recebiam verbas para acentuar suas convicções “democráticas”, contra Jango.

Uma CPI foi instalada. O deputado nacionalista Rubens Paiva (PTB) que, tempos depois foi preso e morto pela ditadura, foi o relator da CPI.

Em telefonema para Lincoln Gordon, embaixador americano no Brasil, o presidente Kennedy indaga:

- Qual será a atitude contra Goulart?

- O fundamental é organizar as forças políticas e militares para reduzir o seu poder e, num caso extremo, afastá-lo. – respondeu Gordon.

O nome de confiança para execução do plano era Vernon Walters, agente secreto americano, que se tornou diretor da CIA. Sua missão foi elaborar a conspiração, unindo militares interessados em derrubar Jango. Walters também preparava relatórios, na busca por um quadro militar brasileiro, capaz de assumir a sucessão e que fosse comprometido com os ideais americanos.

O presidente americano John Kennedy é assassinado. Em seu lugar assume Lyndon Johnson, que segue a mesma linha intervencionista do ex-presidente.

No Brasil, o presidente João Goulart realiza um comício na Central do Brasil entoando as Reformas de Base, que acabaram por inspirar a Constituição de 1988:

- Reforma Agrária – democratização da terra, além da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, que visava estender ao campo os direitos dos trabalhadores urbanos.

- Reforma Educacional - valorização do magistério e do ensino público em todos os níveis, além do combate ao analfabetismo através do método Paulo Freire. Abolição da cátedra vitalícia nas universidades.

- Reforma Fiscal – promover justiça fiscal e aumentar a arrecadação do Estado. Pretendia-se limitar a remessa de lucros para o exterior, principalmente das empresas multinacionais.

- Reforma eleitoral – extensão do direito ao voto a analfabetos e aos militares de baixa patente. Legalização do Partido Comunista.

- Reforma urbana – o Estado pretendia organizar a aglomeração urbana, além de fornecer habitação às famílias.

- Reforma Bancária – pretendia abrir crédito aos produtores.

Logo após o comício, a embaixada americana alerta o departamento de Estado com um documento:

“Desde o comício na Central há uma radicalização de atitudes. Goulart está muito engajado numa campanha nacionalista, para promover as Reformas de Base, que vão contra os interesses econômicos dos EUA.”.

Em entrevista a CBS, o líder do PTB na Câmara, Bocaiuva Cunha é questionado:

- Não acha perigoso o Partido Comunista assumir o governo?

- Não! De jeito nenhum! O partido Comunista no Brasil não é expressivo.  O medo do comunismo só existe na mente da estupidez e na cegueira da elite brasileira, que não quer ver que não podemos manter privilégios de uma minoria, num país tão grande quanto o Brasil!

A embaixada americana, em telegrama confidencial ao Departamento de Estado, relata sua base estratégica:

“Estamos adotando medidas para fortalecer a resistência a Goulart e ações para criar sentimentos anticomunistas no Congresso, nas forças armadas, na imprensa e em grupos religiosos.”

No mês de Março de 1964 ocorrem pelo Brasil a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. No Rio de Janeiro, Lacerdistas, em maioria da zona sul carioca, misturam as orações católicas, como Pai Nosso e Ave Maria, ao coro de “1,2,3 Brizola no xadrez”.

A situação começa a se objetivar quando o embaixador Lincoln Gordon, por telex, pede uma esquadra naval de guerra para vir à costa brasileira, a fim de apoiar, numa operação secreta, os golpistas.

O presidente americano não consegue compreender o tom “secreto” da operação, já que ela se daria com apoio de uma tropa naval. Como resposta ouve de Gordon:

“Não é secreto, é uma operação naval aberta! É para ser uma ameaça a Goulart e seus aliados, para que eles se sintam psicologicamente ameaçados e os militares conspiradores se sintam amparados e apoiados pelos EUA.”

Em 31 de março de 1964 algumas decisões são tomadas para amparar as forças pró-golpe:

- Saída imediata da Força Naval Americana, para a simulação de exercícios militares na costa do Brasil;

- Saída de Petroleiros da base americana em Aruba;

- Arregimentação de 110 toneladas de munição, equipamentos e gás lacrimogênio para controle de manifestações.

- Frota americana composta por porta aviões, quatro navios torpedeiros, dois navios de escolta.

Estava em curso a “democrática” operação Brother Sam.

Documento da Cia de caráter secreto:

“Goulart deve ser removido do poder com urgência! Os governadores de São Paulo e Minas Gerais estão de acordo. 

O estopim será um movimento militar liderado pelo General Mourão Filho. As tropas militares seguirão em direção ao Rio de Janeiro.”

Às 4 horas do dia 31 de Abril de 1964 saem de Juiz de Fora as tropas do general Olympio Mourão, em conjunto com as do general Carlos Luís Guedes. O destino era o Rio de Janeiro, local onde se encontrava o presidente João Goulart.

O golpe militar não encontra resistência armada.

Jango, que dizia não querer derramamento de sangue, foi para Brasília e de lá Porto Alegre. No dia 4, sem condições de resistir, pediu exílio no Uruguai.

Exterminada a democracia, a ditadura militar instalou-se no Brasil durando 21 anos.

Fontes: 

Documentário O dia que durou 21 anos.

Nenhum comentário: