A história como bússola, por Paulo Branco Filho


É comum em análises políticas relembrar acontecimentos do passado e compará-los com os do presente. Conhecer os fatos considerando experiências é a melhor maneira de não cometer injustiças, ou errar caminhos. É comum ver a história se repetir, principalmente, em um país sem memória, que engatinha carregado de atrasos.

Referência consistente é a trajetória de Getúlio Vargas, que tem servido como uma bússola para o entendimento do cenário atual. Sua genialidade, popularidade e feitos - as quais Lula se assemelha - tornaram-se motivos para uma implacável perseguição, promovida pelos grandes meios de comunicação e grupos políticos desinteressados com o progresso do Brasil.

A deposição de Vargas, em 29 de outubro de 1945, destaca a opção de Getúlio em aceitar a queda, sem planejar uma reação imediata. A estratégia era aguardar o tempo e a absolvição popular, para enfim voltar ao poder, em 1951.

Diferentemente de Getúlio - que se recolhera a São Borja e pode preparar-se para uma reação no xadrez político - Lula está preso e censurado pelo judiciário. Na prisão, sem contato com a imprensa e o povo, tem suas ações e voz cerceadas: uma demonstração de que, mesmo com grandeza e popularidade similares, as diferenças de origem social entre Lula e Getúlio foram decisivas nas punições.

Vetada a candidatura de Lula, a escolha para a sua sucessão tornou-se uma grande questão, não por falta de qualidade dos quadros, mas pelo risco de insucesso. Já Getúlio, que também faria uma manobra arriscada, acabou por apoiar Dutra, um dos grandes responsáveis por sua queda.

No cenário atual, aqueles que indicavam que Lula e o PT deveriam abandonar o protagonismo na luta política, optando pela candidatura de Ciro Gomes, desconsideram as injustiças e arbitrariedades que vem sendo cometidas e as dificuldades de um preso político, em um país impulsionado ao fascismo. E com isso, apenas apontam a necessidade de governabilidade, repetindo os trajetos da direita quando, de forma oportunista, criminalizam o PT e, de forma tão grave quanto, desconsideram o desejo esmagador que o povo tinha de votar em Lula, como demonstravam as pesquisas.

Ciro Gomes, político progressista de muitas qualidades e, visivelmente, comprometido com o país, pecou em não acompanhar Lula do início ao fim. Embarcou nas críticas ao ex-presidente, justamente quando este estava alijado do embate. Pode-se dizer que ele teria tudo para ser o único representante da esquerda neste pleito, apoiado por Lula e o PT: militância, movimentos sociais e grande parte do eleitorado, mas esqueceu-se de comprometer-se de corpo e alma com a maior liderança política do país, no, talvez, momento mais doloroso de sua história. Em suma, queria somente o bônus, sem arcar com o ônus. E isso, mesmo sendo compreensível dentro do pragmatismo político, foi definitivo na escolha do ex-presidente e do partido, que tinham opções, tão qualificadas quanto Ciro, alinhadas integralmente.

Em contrapartida, o eleitorado de Lula vem demonstrando enorme lealdade, o que pode ser julgado como cegueira por aqueles que prezam apenas pelo moralismo político. O que estes não consideram é que, para os que sofrem com as mazelas sociais e injustiças, Lula é espelho, capaz de refletir – entre o povo e o líder – dores, conquistas e sentimentos, tornando o voto em Fernando Haddad uma arma para a resistência e a esperança.

Há de se destacar que Haddad está longe de ser apenas um poste de Lula: possui capacidade ímpar e biografia impecável. Como ministro elaborou projetos que abriram as portas das universidades para aqueles que nunca tiveram oportunidade. Como prefeito foi reconhecido como melhor da América Latina. Seu equilíbrio e serenidade, características importantes para um chefe de Estado, serão fundamentais para enfrentar os desafios de um país dividido.

A maturidade de ambos nos dá certeza de que a polarização na ala progressista tem prazo de validade: é nítido o compromisso que Ciro Gomes e Fernando Haddad têm com o Brasil e isso será primordial para superar o risco de um futuro governo fascista.

Em um país sem memória, tomado por injustiças e gestos que descartam facilmente os fragilizados, será imprescindível que candidatos, militâncias e povo selem um pacto de lealdade e compaixão: características de vanguarda dos que lutam por um país melhor.

Para finalizar deixo um registro de Getúlio Vargas, quando percebeu a iminente ameaça de deposição, que serve como motivação para todos que estão comprometidos com a justiça e a democracia e que, sem dúvidas, não deixarão de se unir contra o autoritarismo desumano:

“Lúcido e consciente, estou resolvido ao sacrifício para que ele fique como um protesto, marcando a consciência dos traidores. Sinto que o povo brasileiro, a quem nunca faltei, no amor que por ele tenho e na defesa de seus direitos e legítimos interesses, está comigo. Ele me fará justiça!”.
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Paulo Branco Filho é professor de artes marciais e cronista.

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