E o mercado errou…e não gostou, por Flavio Fligenspan

Publicado no Sul21.


Surpreendendo a quase todos os analistas financeiros do País, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu, na quarta feira da semana passada, não reduzir a taxa de juros básica da economia brasileira, mantendo-a em 6,5% ao ano, patamar historicamente baixo para o padrão nacional. O firme caminho de redução da taxa, que já durava dois anos, e as manifestações recentes do Banco Central (BC) indicavam mais uma rodada de rebaixamento – de 0,25 ponto percentual –, talvez a última da série, mas o BC se assustou com as condições vigentes e não cumpriu com o esperado.

Naturalmente, dada a reversão de expectativas, muita gente perdeu dinheiro, já que errou na aposta, o que balançou vários mercados nos dias seguintes à decisão. Como é da natureza humana uma enorme dificuldade de assumir a responsabilidade por seus próprios erros, culpou-se o BC, mais especificamente a “política de comunicação” do BC, peça importante do sistema de metas de inflação. O BC teria informado errado ao mercado sua intenção de fazer a redução da taxa de juros nas suas manifestações mais recentes. Induziu os agentes a determinado comportamento e acabou tomando a atitude contrária, como num drible. O mercado foi driblado, errou a aposta e não gostou do resultado.

Porém, pode-se pensar que a explicação para o fenômeno não é bem esta, mas sim que o BC teria se assustado com a situação criada pela alta forte da taxa de câmbio em 2018, especialmente a alta das últimas duas semanas e, por isso, acabou derrubando o mercado. Dólar mais caro – mais dia, menos dia – deve aparecer sob a forma de aumento da inflação. O canal para que isto ocorra é o aumento de preços dos produtos importados, em reais, principalmente as matérias primas industriais que não produzimos no País e das quais, portanto, não podemos abrir mão.

Há bons argumentos em contrário a esta hipótese no momento em que vivemos. A economia está tão parada e a ociosidade das empresas é tão grande que não haveria como repassar esta alta de preços; a demanda frágil não aceitaria tal aumento e ele teria que ser absorvido pela margem das empresas que utilizam, direta ou indiretamente, os insumos importados. Será? Os índices de preços no atacado já acusaram o golpe da elevação do câmbio neste ano e a etapa seguinte é da transmissão desta alta para os preços dos produtos finais, ao nível do consumo e, portanto, do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), o índice usado como parâmetro para verificar se acertamos ou não a meta de inflação pré estabelecida.

Tudo indica que o BC não quis pagar para ver e preferiu encerrar logo o ciclo de rebaixamento dos juros, até porque os fatores que têm puxado o dólar para cima permanecerão presentes nos próximos meses, sejam as incertezas sobre a geopolítica internacional, seja a alta dos juros americanos. Para se opor ao movimento cambial, o BC respondeu com os juros e com a conhecida colocação de swaps cambiais, títulos que equivalem à venda de dólares no mercado futuro e, por isso, têm a capacidade de segurar os preços no presente. Funcionam como uma espécie de seguro contra a alta da taxa de câmbio.

Primeira lição de tudo isso, o preço do dólar importa na política econômica brasileira, ainda que já estejamos a quase vinte anos do fim do período do Plano Real conhecido como “âncora cambial”, em que o governo fixava a taxa de câmbio no nível que queria e isto constituía a pedra angular da política econômica. Desde o ano de 1999 a variável central é a taxa de juros, mas o câmbio continua muito importante para ser deixado oscilar livremente, conforme uma das regras do modelo atual, a chamada “livre flutuação cambial”. Ninguém de fato nunca acreditou nisto, muito menos o próprio Presidente do BC, Ilan Goldfajn. Alguns analistas que erraram a aposta na semana passada alegaram que o BC teria introduzido uma nova variável no modelo, o câmbio, e isto causou seu erro de previsão quanto aos juros. Acredite quem quiser neste argumento.

Segunda lição, o Governo Temer, que já acabou política e economicamente, não tem e não terá nenhum bom resultado na área econômica até que o calendário marque oficialmente seu final. O único pseudo brilho será uma inflação muito baixa; pseudo porque a inflação baixa é, na verdade, subproduto de um erro técnico, a continuidade de um nível de atividade que se arrasta perto do chão. Tanto é verdade que no ano passado a inflação aquém do piso da meta – consequência de um crescimento ridículo do PIB – exigiu que o Presidente do BC escrevesse uma carta pública ao Ministro da Fazenda, explicando o que deu errado. Assim prega o sistema de metas, exige a carta com explicações quando se erra a meta. Ora, o BC não poderia colocar em risco o único resultado – inflação baixa – que a população entende e que Temer vai anunciar como “sucesso” de seu Governo.

Sabendo que 0,25 ponto percentual, para mais ou para menos, nos juros não vai fazer a menor diferença no nível de atividade deprimido até o fim do ano, o BC não arrisca nada quanto à inflação e indica ao mercado que esta variável será preservada e apresentada como sinal de “sucesso”.
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Flavio Fligenspan é Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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