A balança imoral da justiça brasileira, por Paulo Branco Filho


Outro dia, vendo uma entrevista antiga com Eliane Calmon, ex-ministra do STJ, fui induzido a refletir sobre a cínica crença da direita brasileira de que e o judiciário e suas instituições têm agido em prol do progresso do país.

Diante do grande esforço midiático pelo fortalecimento do judiciário e seus membros, vale por em questão se realmente esse segmento e todas as instituições teriam peito, vontade e possibilidades de punir também os seus.

Para os mais sensatos e atentos, não há dúvidas de que existe uma abissal desproporcionalidade nas ações contra políticos de determinados partidos, como é o caso do PT. Mesmo cientes disso, setores progressistas tendem a acreditar que, no final das contas, mesmo aquilo que começou errado pode ter uma finalidade boa.

Outra hipótese provável é que, por receio de ter a moral questionada, tenha sido comum, até então, discursos em defesa da Operação Lava Jato, inclusive por setores progressistas, o que nos remete a uma fraqueza e inconsistência de projeto da esquerda brasileira que, historicamente, sobrepõe o discurso moral ao de um projeto nacional. Mas, até para um mal entendedor de direito, basta saber que, depois de um primeiro passo errado e mal intencionado, todos os passos seguintes se desqualificam: vale relembrar, que o juiz federal Sérgio Moro, o herói do moralismo idiota, expôs, de forma ilegal, gravações de conversas telefônicas entre, a então presidente da República, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula e advogados, que em nada os comprometiam. A partir daí o jogo fica claro e qualquer justificativa se torna inconsistente: há crime, ilegalidade e, visivelmente, intenção de se derrubar um projeto político.

Esclarecidas a intenção que move as ações e as distinções entre alvos no cerne da Operação Lava Jato, é fundamental questionar-se sobre quem deu sustentação às arbitrariedades de Moro, um juiz de primeira instância. Por que e por quem as instâncias superiores se calaram?

De lá para cá, o protagonismo do judiciário cresceu, sobrepondo-se aos demais poderes.

Voltando a Eliana Calmon, destaco parte de sua fala durante a entrevista, em que ela endossa o perfil tirano, autoritário e antidemocrático desse setor: “em conversa com alguns integrantes da força tarefa, eles dizem que os próprios advogados dos colaboradores não querem que os seus clientes falem sobre os juízes. Porque, se fala sobre os juízes, os juízes ficam... E o advogado se inutiliza, porque o juiz nunca mais perdoa. E existe o espírito de corpo. O advogado não quer que haja denúncia. Sem a denúncia fica difícil.”.

Na conclusão da sua fala, ainda mais dura, a ex-ministra mostra como é difícil agir conforme a lei perante os magistrados, já que os juízes consideram como inconstitucional serem alvos de investigação sobre o crescimento de seus patrimônios.

 O que se percebe nessa fala é que há limites para a justiça. E se existem limites, podemos afirmar que existe uma “casta” privilegiada e intocável, que demonstra, contradizendo a retórica conservadora, que a lei não é para todos. Tudo bem similar ao período ditatorial, onde a caça aos comunistas, também demonizados pela patrulha da moral, justificava qualquer arbitrariedade, inclusive perseguir aqueles que ousavam denunciar os excessos, crimes e a corrupção no meio militar.

Para as classes mais pobres, historicamente prejudicadas pelas diferenças de tratamento dadas pelo Estado, nenhuma novidade. Mas o fato é que, quando isso atinge patamares mais elevados com apoio midiático, é mais um sinal que reforça o Estado de exceção, instaurado no Brasil desde agosto de 2016, e o crescimento de sua rede, ou melhor, do seu mecanismo, sem luz alguma no fim do túnel. E isso, é inaceitável.

O processo democrático deve passar pelo fortalecimento das instituições e não de personas do judiciário, como se tem visto. O ideal punitivista, estimulado pelos liberais, nos joga num processo similar ao da ditadura instaurada em 64: aos amigos tudo, aos inimigos, o excesso da lei. Mas há quem prefira acreditar nas narrativas falaciosas do Jornal Nacional, ou da ignóbil série da Netflix, o Mecanismo. A vileza que tomou conta do país faz do judiciário brasileiro um palco para uma geração de “atores”, ainda mais cínicos do que o conteúdo da referida série, dirigida pelo brasileiro, erradicado nos EUA, José Padilha.

Enquanto continuarmos aceitando o protagonismo dessa classe, afundaremos cada vez mais, sem perceber que os moralistas de toga, que não abrem mão de seus auxílios moradias e outras benesses mais, estão alinhados a um projeto anti-Brasil, onde os únicos que não perdem nada são os que sempre tiveram tudo.

A disputa e o debate político, horizontais e democráticos, são as únicas saídas para a construção madura do país. Para isso, menos maniqueísmo e mais lucidez, gesto crucial para a leitura e o entendimento dessas narrativas e seus fundamentos vis. Do contrário, vê-se a proliferação de cidadãos apolíticos, a avolumar a massa de manobra necessária para endossar os projetos de esvaziamento das instituições democráticas e os sucessivos golpes contra o desenvolvimento social e econômico do país.


Paulo Branco Filho é professor de artes marciais e cronista.

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