Lições de um carnaval sem igual, por Daniel Samam

Publicado em minha coluna no Brasil 247.


A crise política esteve muito presente no Carnaval. Destaco os desfiles da G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti, realizado na madrugada de segunda-feira (12), e da Beija-Flor de Nilópolis, na madrugada de terça-feira (13), pois sintetizaram a polarização em voga na sociedade brasileira. Foram dois desfiles impecáveis, com Sambas lindos, porém, com narrativas bem demarcadas.

Vejamos, a diferença fundamental entre as narrativas colocadas nos desfiles da Paraíso do Tuiuti e da Beija-flor de Nilópolis são:

1. a Tuiuti adotou a narrativa classista, com um enredo que é um tapa na cara dos que acreditam que o Brasil não é racista, de que a escravidão fica apenas no passado e nos livros de história. A escola de São Cristóvão conseguiu expor de forma clara e objetiva o "cativeiro social" e a surra que a classe trabalhadora e todo o povo brasileiro vem tomando do consórcio golpista com a retirada de direitos.

2. a Beija-flor, por sua vez, adotou a narrativa mais senso comum e conservadora, da Globo, da Lava Jato, do velho moralismo tacanho advindo do udenismo, do combate à corrupção, do discurso contra o Estado "grande e ineficiente" e da criminalização da política.

Veio a apuração e o resultado final: Beija-Flor campeã e Tuiuti vice-campeã, apontando que a disputa de narrativas e de projetos de Brasil chegou no principal ator de um país que se pretende uma Democracia de massas: o Povo.

Não podemos cair na armadilha de que a conjuntura esteja mudando. Como escrevi no texto anterior, o consórcio golpista ainda tem hegemonia, mas não tem o controle. Não conseguem emplacar um nome forte para as eleições e, ao que tudo indica, não conseguirão aprovar a reforma da Previdência. Ao mesmo tempo, veem o apoio a Lula aumentar visivelmente na sociedade. Exemplo claro disso foi a faixa colocada na entrada da Favela da Rocinha no último fim de semana, com os dizeres: "STF, se prender Lula o morro vai descer". De fato, a candidatura de Lula representa a indignação do povo com a retirada de direitos promovida pelo consórcio golpista.

Agora, é impressionante como a conexão política e ideológica do enredo da Tuiuti entre a escravidão, o golpe em curso e a retirada de direitos foi colocada de forma didática para milhões de pessoas Brasil afora e com uma eficácia tremenda, capaz de fazer inveja aos partidos. Aliás, o refrão do Samba, "não sou escravo de nenhum senhor", tem a mesma potência da Internacional comunista, "uma terra sem amos". E é aí que percebemos a importância e a centralidade da Cultura como ferramenta de disputa pelos valores capazes de orientar a sociedade.

Em suma, o espetáculo promovido pela Tuiuti na Sapucaí foi um chamamento à luta de todo o povo brasileiro contra os retrocessos impostos pelo consórcio golpista.

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