Antigetulismo, antibrizolismo e antilulismo como fenômenos conservadores, por José Luis Fevereiro

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Um olhar alargado sobre a historia sempre nos ajuda a entender o presente. Vivemos desde 2016 sob um governo ilegítimo, resultado de um golpe, onde os mesmos segmentos sociais que se confrontaram com Getulio em 1954 foram protagonistas.

Getúlio Vargas era um homem da elite. Liderou a revolução de 30 que lhe deu um governo de 15 anos exercido com mão de ferro, criou o estado nacional brasileiro, centralizou o poder na União, destronou oligarquias regionais , acabou com os exércitos paralelos que eram as Forças Publicas da Republica Velha, acelerou a urbanização e a industrialização do Brasil, namorou o fascismo, prendeu a esquerda, entregou Olga Benário ao nazismo, se alinhou com os EUA na fase final da Guerra. Personagem essencial e complexo da historia brasileira, Vargas é também responsável pela Consolidação das Leis do Trabalho, pela organização sindical dos trabalhadores urbanos, pela incorporação crescente das massas á politica. Vargas duplica o salario mínimo em 1954 e dá inicio á crise que leva ao seu suicídio.

Boas razões tinha a esquerda para não gostar de Getúlio Vargas, e para tentar organizar alternativas. Mas a crise que leva Vargas ao suicídio foi insuflada pelas classes medias conservadoras que se sentiam ameaçadas na sua posição relativa na escala social por qualquer perspectiva de ascensão das classes trabalhadoras. O “mar de lama sob o Catete” denunciado por Carlos Lacerda nos seus comícios tijucanos, davam a cobertura de defesa da ética e da moral com os dinheiros públicos, atrás da qual se escondia o medo de classe da pequena burguesia em relação á ascensão social do “povão”. O anti- getulismo visceral da classe media lacerdista nada tinha de defesa da honestidade ou da moral, mas apenas dos seus privilégios de classe. A Republica do Galeão, nome adquirido pelo Inquérito Policial Militar instaurado na Base Aérea para apurar o assassinato do major Rubem Vaz, era o epicentro do golpe, finalmente abortado por Getúlio com seu suicídio.

Em 1982 Brizola vence as eleições no Rio de Janeiro com votação espalhada por toda a cidade inclusive nos bairros de classe media e dá inicio a um governo que inverteu prioridades de gastos, iniciou um projeto educacional , os CIEPS, que pretendia dar á juventude das periferias acesso a um padrão de educação integral que lhes possibilitasse interromper o ciclo de reprodução de mão de obra de baixa qualificação, essencial para manter estática a ordem social. No governo Brizola, policia não subia morro atirando e deixou de vigorar a politica do pé na porta de casa de trabalhador sem mandato judicial. Varias vezes vi batidas policiais em ônibus onde ao subir o PM pedia desculpas pelo incomodo, explicava que estava ali para zelar pela segurança de todos e educadamente fazia a checagem de documentos. Brizola era uma liderança de esquerda apesar de trazer para seu partido setores das oligarquias estaduais e conformar claramente um partido pluriclassista.

Com a Rede Globo no lugar de Lacerda e as classes medias resvalando de novo para o conservadorismo, o anti Brizolismo ganha força. Afinal dar uma educação na Rede Publica de padrão elevado não propiciará a reprodução do exercito de mão de obra de baixa qualificação essencial á manutenção dos privilégios de classe dos de cima. A polícia agir na favela como se estivesse num condomínio da zona sul tambem não era bem visto porque afinal era na favela que residiam as “classes perigosas”.

Lula se elege Presidente da Republica em 2002 vencendo as eleições em todos os estados da federação com exceção de Alagoas. Apesar das inúmeras concessões feitas á elite, apesar de ter Henrique Meirelles no banco central e Palocci na fazenda , apesar de não ter feito nenhum enfrentamento significativo ao andar de cima, seu governo é identificado com programas sociais como o Bolsa Família que tira um enorme contingente de trabalhadores do desespero de se sujeitarem a quaisqueres condições de trabalho e salário, com a ampliação da politica de cotas , com a ampliação do acesso á universidade , ainda que em parte com um programa muito polemico de subsidio a universidades privadas de péssima qualidade, pelo aumento real do salario mínimo, pela ampliação do credito, pelo Minha Casa Minha Vida. O congestionamento dos aeroportos, espaço até então exclusivo das “pessoas certas”, ajuda a espalhar nas classes medias a sensação de perda relativa de status.

Junho de 2013 , com sua heterogeneidade de pautas e atores sociais e políticos é um primeiro espasmo desse descontentamento. Ali se juntava um desconforto conservador visível em parte dos manifestantes ,com o protesto pelas insuficiências dos ganhos sociais por outra parcela. Agendas de esquerda e de direita disputam as ruas.

Em 2015 e 2016 com o avanço seletivo da Lava Jato , as classes medias enroladas na bandeira conveniente da sua Ética de Resultados liderados significativamente pelo pato da Fiesp e mobilizadas pela Rede Globo tomam a Paulista pelo impeachment. O anti-Lulismo ganha força e se desdobra agora na tentativa de inviabilizar a sua candidatura com um canhestra condenação num processo mambembe envolvendo um apartamento que não é nem nunca foi dele.

Construir uma alternativa á esquerda ao Lulismo é uma tarefa imperiosa como nos anos 80 construir o PT era necessário mesmo em confrontação com Brizola. Nos anos 80 por vezes o PT tentou pegar carona no anti Brizolismo buscando atalhos na sua auto construção. A mesma tentação ocorre em setores da esquerda hoje que imaginam que seja possível pegar carona no anti Lulismo para alavancarem seus projetos. Do seu viés anti Brizolista dos anos 80 o PT só colheu maus frutos, como a exarcerbação do discurso da Ética (Brizola chamava o PT de "UDN de macacão"), que no fundamental opera na logica da desvalorização do papel do estado ao localizar nele as mazelas da sociedade ( leiam Jessé Souza em “A elite do atraso”).A centralidade do discurso da Ética é a manobra clássica das classes medias conservadoras com sua Ética de Resultados, para se livrarem de governos “indesejáveis”. Apelar a ela como atalho de auto construção é um equivoco estratégico.

Em que pese que a esquerda tinha boas razões para se opor a Getúlio, boas razões para construir outro projeto fora do brizolismo e para se contrapor ao Lulismo, pelo seu reformismo fraco como diz André Singer, nada havia e nada há a ganhar dialogando com os fenômenos sociais conservadores de contraposição a estes governos. O antigetulismo, o antibrizolismo e agora o antilulismo ou anti Petismo, são fenômenos sociais conservadores que mobilizam segmentos sociais que sentem perda relativa de status pela ascensão dos debaixo.

Nada de bom virá daí.


José Luis Fevereiro é Economista e membro da direção nacional do PSOL.

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