Revisitando a organização política da esquerda, por Luiza Dulci

Publicado originalmente no Teoria e Debate.


A força avassaladora do golpe e da agenda golpista e a violência contra a presidenta eleita Dilma Rousseff motivaram um grupo de amigos a se reunir no Restaurante do Ano, na sexta-feira 2 de setembro de 2016. No coração da Savassi, bairro considerado nobre da zona sul de Belo Horizonte, a disposição era discutir a conjuntura, dividir as angústias e resistir. Na sexta seguinte foi convidado o vereador da cidade, então candidato à reeleição, Pedro Patrus, para contribuir com a discussão sobre “Conjuntura, cenário político de BH e eleições de 2016”. Estava criada a Sexta Valente, a homenagem à presidenta está no nome e no coração de cada integrante.

De lá para cá foram mais de cinquenta sessões, quase todas gravadas e algumas delas transmitidas ao vivo pela Mídia Ninja. Esses encontros acompanharam a agenda de desmonte do governo golpista e trataram da conjuntura e de temas como o Judiciário, a mídia (hegemônica e alternativa), o crime da Samarco e o cenário internacional. Também debateram as formas de resistência, de construção de alternativas, como a Sexta Valente sobre o Grito dos Excluídos na véspera do 7 de Setembro; o cinema e a música no debate político atual; as ocupações estudantis (para muitos o que mais marcou) e por aí vai.

Por uma feliz coincidência, 10 de fevereiro de 2017 caiu numa sexta-feira e aproveitamos a oportunidade para realizar uma edição especial em comemoração ao 37º aniversário do Partido dos Trabalhadores, com a participação de dois militantes mineiros históricos e ex-ministros dos governos Lula e Dilma, Luiz Dulci e Nilma Lino Gomes. E recentemente realizamos os encontros do Outubro Vermelho com um ciclo de debates sobre as mulheres, a arte e a educação, o direito e o experimentalismo institucional e outros temas em comemoração aos 100 anos da Revolução Russa.

Ao longo desse ano passaram pelo banquinho da Sexta Valente professores das áreas do Direito, da Economia, da Ciência Política, da Sociologia, militantes de movimentos sociais do campo e da cidade, sindicalistas de diversas categorias; artistas e ativistas culturais e políticos parceiros, com cargos eletivos e atuação no governo federal nas gestões do PT e no estadual de Fernando Pimentel.

Houve também momentos de folia, como a festa em homenagem a Fidel Castro e o bloco da Sexta Valente, que lotou a quadra do Restaurante do Ano na véspera de Carnaval de 2017. A disposição militante e voluntária do coletivo vem construindo esse espaço de acúmulo e resistência cotidiana, que é hoje um verdadeiro Território Livre da Democracia.

Os frutos da Sexta Valente extrapolam o acúmulo político dos debates de sexta-feira. Parte dos integrantes e cointegrantes do coletivo, parceiros cativos e esporádicos dos encontros têm se engajado em outras atividades políticas. Muitos se filiaram ao PT e têm buscado participar mais ativamente nos atos e nas manifestações e em outros espaços de organização política, partidária, sindical e social. E mais recentemente, inspirada nas atividades das sextas, foi criada a Terça à Esquerda, com proposta de discussão em formato semelhante em um bar na região de Venda Nova de Belo Horizonte. Mais um foco de resistência, mais um coletivo de pessoas organizadas. Ou seja, há uma combinação de acúmulo teórico e prático, um esforço de aproximação dos espaços mais tradicionais da política na intenção de contribuir na sua (re)construção e (re)organização. Sem fazer uso da malograda e tão disseminada ideia de nova versus velha política, o sentido desses movimentos é resgatar a política e a democracia em seus sentidos mais simples e nobres.

Por que compartilhar essa experiência aqui? Por que falar da Sexta Valente? Há muito nosso discurso vem batendo na tecla de “precisamos renovar nossas práticas políticas e nossos quadros”, “precisamos falar pra fora e não apenas para os convertidos”, ”precisamos encontrar formas mais lúdicas e convidativas, menos quadradas de fazer política”. Não me parece haver uma receita para tal. Mas sem dúvida essa experiência nos dá pistas de por onde (re)começar. Nos ajuda a responder à perguntinha do que fazer e outra, tão ou mais importante, do como fazer.


Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Coletivo da Sexta Valente e o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ).

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