Sobre amor ao próximo e ditadura, por Gilberto Palmares

Publicado originalmente no Jornal do Brasil.

Em 1981, fui demitido da Embratel pelo "crime" de fazer debate sobre sindicato fora do espaço da empresa. A ditadura militar não admitia sindicalismo de luta. A ditadura não admitia debate. A ditadura não admitia oposição.

A demissão era, na verdade, punição branda diante de tantas atrocidades que eram cometidas pelos que estavam no poder. Hoje, ao ver pessoas defendendo o regime militar, insinuando que aqueles eram governos democráticos, afirmando que nesta época não havia corrupção, me pergunto qual o caminho possível para estabelecer o diálogo. Sim, por mais difícil que seja, é preciso dialogar.

Entre os que declaram simpatia pela ditadura há os mal-intencionados, mas há também os que – apesar de tudo – desconhecem a realidade sobre esse período sombrio de nossa história. E é com eles que gostaria de trocar ideias. A conclusão de que a falta de informação está na raiz da defesa da volta da ditadura feita por muitos é baseada no fato de que algumas dessas pessoas parecem seguir princípios de respeito e até religiosos, o que, imagino, inclua o amor ao próximo.

Para estes, gostaria de apresentar algumas reflexões. No período em que o Brasil viveu sob ditadura não havia direitos nem cidadania. Qualquer um que criticasse o regime poderia termina nos porões da ditadura, submetido a torturas severas. Não se tratava apenas de ativistas, militantes, mas de qualquer pessoa que se indignasse contra os generais.

Imagine um jovem sendo sequestrado a caminho da universidade, mulheres grávidas sendo torturadas, pense nos presos políticos foram submetidos a choques elétricos, afogamentos, assassinados sem direito à defesa ou julgamento. Cerca de 500 pessoas mortas pelo regime nunca tiveram seus corpos encontrados. Famílias padeceram em busca de informações, sem poder enterrar seus parentes até hoje. Sindicatos foram destruídos, dirigentes eleitos democraticamente presos, mortos e os que escaparam foram impedidos de dar continuidade à luta sindical.

Esses são fatos provados e documentados. Isso é história. E história muito recente. Estudantes que protestaram contra o golpe militar de 1964 e foram presos e torturados, mas sobreviveram, trazem no corpo e na memória as marcas desse período vergonhoso do nosso país.

A ditadura calou a boca do povo. Impôs o arrocho salarial. Escondeu, pela falta de liberdade e censura aos meios de comunicação, os casos de corrupção protegendo os que enriqueceram fraudulentamente com sua proteção.

Defender a volta do regime militar é dar o aval para que essa história se repita. Sei que não há diálogo possível com os que advogam conscientemente a favor de que a força bruta se imponha sobre a democracia. Mas é aos que guardam princípios básicos de ética, solidariedade, respeito ao próximo e aos direitos do cidadão que convido à reflexão. Essa visão de mundo é inconciliável com a defesa da ditadura. Apoiar a intervenção militar é um caminho sem volta. É preciso, com firmeza, evitar o primeiro passo nessa direção, antes que não haja mais tempo de desistir.


Gilberto Palmares está Deputado Estadual e líder do PT/RJ na Alerj.

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