Toda educação é ideológica, por Durval Angelo

Publicado em sua coluna no Brasil 247.

Acompanhando um debate nacional, ganhou corpo no Legislativo Mineiro, nos últimos dias, a polêmica da “Escola Sem Partido”. Projeto de lei com o mesmo teor de proposições apresentadas no Congresso Nacional, em outros estados e em Câmaras Municipais tramita na Assembleia Legislativa e motiva acaloradas discussões.

A proposta é fruto de um movimento ultraconservador que reivindica uma pretensa neutralidade política e religiosa no ensino, a fim de garantir o direito dos pais de decidir sobre a educação dos filhos. Para tanto, estabelece um rol de proibições a professores e escolas na abordagem de conteúdos ideológicos, religiosos, morais, políticos, partidários e referentes a questões de gênero e diversidade. Como relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, meu parecer foi pela rejeição, dada a sua flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade.

Para começar, há vício de iniciativa, pois institui um programa administrativo, o que é atribuição do Executivo. Também interfere nos currículos escolares, violando a competência exclusiva da União para legislar sobre o tema. Acrescente-se que fere a autonomia didático-pedagógica dos estabelecimentos de ensino, contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Mas o principal impedimento, a meu ver, é a violação do direito constitucional à educação plena e emancipatória e dos princípios da liberdade de ensinar, de aprender e do pluralismo de ideias. Esse também foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em março, julgou inconstitucional um programa similar aprovado pela Assembleia de Alagoas.

Decisão semelhante foi proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao considerar inconstitucional emenda aprovada pela Câmara Municipal de Governador Valadares que proibia conteúdos da ideologia de gênero nas escolas municipais. Em seu voto, o desembargador Wagner Ferreira afirmou tratar-se de “verdadeira censura”.

Com respeito às posições religiosas e ideológicas de alguns deputados, devo lembrar que a “neutralidade” pretendida simplesmente não existe. Assim demonstrou o relator da ação no Supremo, ministro Roberto Barroso, citando o escritor judeu Elie Wiesel: “A neutralidade favorece o opressor, nunca a vítima”.

Também o mestre Paulo Freire, em sua “Pedagogia do Oprimido”, mostrou que a educação é essencialmente política, principalmente a que se diz neutra. A ideologia permeia a escolha dos conteúdos, os valores incorporados no material didático, a escolha do projeto didático-pedagógico, e a aparência de isenção coloca a educação a serviço dos interesses dominantes.

Ressalte-se, ainda, o contexto global de profunda crise do capitalismo. Ameaçada, para se manter no poder, a classe dominante incentiva o ódio e mobiliza as direitas em diferentes frentes, que incluem a educação, na tentativa de impedir a formação do pensamento crítico e a participação das massas nas decisões políticas. Resistir a esse projeto é defender a democracia e a soberania popular.


Durval Angelo é professor e está Deputado estadual (PT-MG) e líder do governo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

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