O futuro da opção popular, por André Singer

Publicado em sua coluna na Folha de S. Paulo.


O segundo confronto entre Lula e Moro, na quarta (13), deixou um saldo ruim para o lulismo. Sustentado pelo depoimento de Antonio Palocci, que fez pacto de sangue com a Lava Jato, o juiz conseguiu colocar o ex-presidente em situação tão desfavorável que havia pouca chance de equilíbrio.

Independentemente dos meandros jurídicos - nos quais voltaram a se contrapor delações acusatórias contundentes à falta de provas materiais de ilícitos -, o líder popular e o ícone do Partido da Justiça (PJ) sabiam estar num palco, falando para milhões de espectadores que nada entendem de leis ou jurisprudência. Moro teve a sabedoria de não parecer arrogante, apesar da nítida vantagem obtida com Palocci no seu time, enquanto Lula exagerou na agressividade, o que denota acuamento e desagrada ao público não militante.

Mas os pequenos efeitos imagéticos do episódio serão em breve esquecidos. O verdadeiro serviço prestado pelo ex-ministro ao PJ - hoje engajado em combater o PT e o PMDB, beneficiando, assim, o PSDB - foi o de legitimar a condenação de Lula na segunda instância, impedindo-o de ser candidato ano que vem. Palocci trocou a fama de traidor, que ninguém respeita, pela chance de liberdade futura.

Daí que o melhor momento do petista no interrogatório foi ao dizer que tem pena, e não raiva, de ter-se desperdiçado o brilhante quadro que Palocci um dia foi. Mesmo os que discordam das opções programáticas que ele adotou, como é o meu caso, reconhecem o talento do médico convertido em chefe da Fazenda.

Ao observar as qualidades do ex-trotskista de Ribeirão Preto, Lula se recolocou no plano da construção nacional, terreno que Moro não conhece. O ex-presidente sabe que um país precisa de bons políticos, tanto conservadores quanto progressistas, e que Palocci foi um raro exemplo do primeiro tipo - sendo verdade, no entanto, que graves acusações de corrupção já tivessem embaçado a sua voz pública, outrora ouvida.

A provável ausência de Lula na urna eletrônica em 2018 deverá desalinhar o eleitorado, tornando o pleito o começo de novo ciclo. Nele, terá que se operar a reconstrução das opções populares. O modo pelo qual Lula moldará a própria herança vai influir no processo, lembrando que, mesmo condenado, contará ainda com bastante tempo de vida política ativa. E Palocci não fará parte dela.


André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.

Nenhum comentário: