Gramsci e a luta de ideias, por Aldo Arantes

Publicado no Brasil 247.


Gramsci deu importantes contribuições à cerca do papel da luta de ideias na formulação da estratégia e tática para a conquista do poder. Analisando a diferença entre as táticas adotadas na Rússia Tzarista e nos países de maior desenvolvimento capitalista escreveu "A determinação, que na Rússia era direta e lançava as massas às ruas para o assalto revolucionário, complica-se na Europa Central e Ocidental em função de todas estas superestruturas políticas, criadas pelo maior desenvolvimento do capitalismo; torna mais lenta e mais prudente a ação das massas e, portanto, requer do partido revolucionário toda uma estratégia e tática bem mais complexas e de longo alcance do que aquelas que foram necessárias aos bolcheviques no período entre março e novembro de 1917".

Gramsci ressaltou ainda que nas sociedades de maior desenvolvimento capitalista "as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil visando à direção político-ideológica e à conquista do consenso" e que "no âmbito da sociedade civil as classes buscam exercer a hegemonia, isto é, buscam ganhar aliados para suas posições da direção político-intelectual e do consenso". E, para isto, a luta ideológica, a luta de ideias tem um papel decisivo.

Tal ponto de vista decorre da análise dos papeis da coerção e da coesão, como mecanismos da dominação política, em países de diferentes estágios de desenvolvimento capitalista. Em qualquer sistema político o poder utiliza os dois mecanismos. Todavia a coerção é o fator determinante onde a democracia liberal não existe, onde as organizações da sociedade civil, responsáveis pela difusão ideológica, são frágeis.

Já, nos países onde se implantaram as regras do estado democrático liberal a coesão se sobrepõe à coerção. Isto porque a sociedade civil é forte e conta com partidos, parlamento, igrejas, organizações profissionais, sindicatos, meios de comunicação e instituições de caráter científico e artístico para assegurarem a hegemonia ideológica e cultural das classes dominantes.

No capitalismo, com a liberdade política, a sociedade civil é mais e organizada e o estado dispõe de melhores mecanismos de defesa. As classes dominantes têm a hegemonia política e de ideias o que dificulta o processo revolucionário. Daí os problemas enfrentados pela revolução nos países capitalistas mais desenvolvidos.

Tanto assim que Marx considerava que a revolução socialista surgiria primeiro nos países mais desenvolvidos onde havia uma forte classe operária. Todavia nestes países os estados eram mais blindados contra os movimentos revolucionários e, por isto mesmo, a revolução se deu no país onde era mais fraco o elo da dominação imperialista, a Rússia Tzarista.

Nas condições da globalização neoliberal esta situação se tornou mais complexa. A crise do sistema capitalista determinou alterações estruturais do sistema com o predomínio do capital financeiro, hegemonizado pelos Estados Unidos.

O estado foi capturado pelo sistema financeiro e a soberania popular que já era limitada se fragilizou mais ainda, sobretudo nos países da América Latina. A Constituição e as leis têm sido desrespeitadas. Os poderes executivo, legislativo e judiciário ficam subjugados aos interesses do sistema.

A mídia tanto internacional como nacional passaram, juntamente com as redes sociais, a ter um papel de grande relevância na construção da hegemonia conservadora. Para a consolidação de governos que apoiam a política neoliberal e para a desestabilização dos governos que procuram colocar em prática um projeto de nação com desenvolvimento, justiça social e afirmação da soberania nacional. Nestas condições a conquista da hegemonia pelos setores progressistas da sociedade tornou-se mais complexa.

O neoliberalismo substituiu a violência dos golpes militares pelos golpes institucionais onde a hegemonia ideológica e cultural, a luta de ideias, passaram a ser peças importantes na preparação e consolidação do golpe.

O agente cubano Raúl Antonio Capote Fernandez, infiltrado na CIA por 10 anos, declarou que os americanos desencadearam uma guerra cultural, uma luta no terreno das ideias ao constatarem que a liderança da esquerda nas universidades latino-americanas era uma das causas do surgimento de governos progressistas na região. Em decorrência desta constatação foi colocado em prática um plano visando construir um pensamento conservador e de direita nas universidades e entre a intelectualidade.

Seguindo as diretrizes do chamado "golpe brando" que estabelece cinco passos para o golpe institucional, a luta de ideias foi realizada na fase preparativa do golpe parlamentar no Brasil. Ela se centrou na luta contra o estado, na defesa da livre empresa, da propriedade privada, no estímulo ao individualismo e no combate às ideias progressistas, às lutas sociais e ao comunismo. Esta ofensiva ideológica foi acompanhada de um processo de despolitização da sociedade com o combate aos partidos, à política e aos políticos. Para isto foram realizados cursos nos Estados Unidos e no Brasil, criados órgãos de divulgação e organizadas instituições visando a difusão das ideias neoliberais e de direita.

Tal ofensiva foi combinada com a mobilização política através do combate à corrupção na defesa de uma falsa ética. Estes dois fatores permitiram a construção da hegemonia do pensamento conservador em amplos segmentos da sociedade brasileira, tendo garantido o apoio necessário ao golpe parlamentar.

Apesar de lutas em várias frentes, as mobilizações populares têm sido limitadas. Diante do ataque a direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores a categoria não se mobilizou amplamente contra a imposição da antirreforma trabalhista. A sociedade praticamente não se mobilizou quando se votava a autorização para que o Supremo Tribunal Federal julgasse o ilegítimo governo Temer por corrupção. Entre a juventude e a intelectualidade cresceu de forma assustadora a força da direita.

Tal situação, combinada com o descrédito da política, gerou um clima de desconfiança entre as grandes massas o que leva a uma atitude de certa passividade apesar da gravidade das medidas adotadas pelo ilegítimo e corrupto governo Temer.

A conquista de uma nova hegemonia política da esquerda capaz de reverter esta situação se liga à reconstrução do pensamento progressista na sociedade, através da luta de ideias em torno de temas como a defesa do estado de democrático, fator de equilíbrio na economia e nas relações sociais. A defesa de valores caros à esquerda como a solidariedade e a luta contra as injustiças sociais. A defesa da ética individual e social. O combate ao individualismo. A luta contra o ódio, a discriminação e a violência.

A importância de se acentuar o papel da luta de ideias no atual estágio da luta política no país se liga à subestimação, pela esquerda, desta frente. E este menosprezo contribuiu para facilitar o golpe parlamentar. A preocupação excessiva com o processo eleitoral e a presença na máquina do estado fragilizou a luta social e deixou de lado a luta de ideias e a politização da sociedade.

A maior eficiência da luta de ideias impõe a necessidade da criação de meios para propaga-la. No período anterior ao golpe militar havia importantes iniciativas no campo cultural e artístico que exerciam destacado papel na luta de ideias. A UNE tinha o Centro Popular de Cultura, a prefeitura de Recife o Movimento de Cultura Popular, a prefeitura de Natal o movimento "De pés no chão também se aprende a ler", a Igreja Católica tinha o Movimento de Educação de Base e o Ministério da Educação desenvolvia a alfabetização de adultos realizada pelo método Paulo Freire. Através dele não só se ensinava a alfabetização mas, também, as causas da exploração e da fome.

Por tudo isto, a retomada de uma nova hegemonia política através da mobilização de massas em torno de um novo projeto para o país, passa também, pela luta de ideias. Pela desconstrução dos valores e ideias conservadores e de direita e a afirmação dos valores e ideias progressistas.


Aldo Arantes é ex-deputado federal Constituinte pelo Estado de Goiás, secretário da Comissão Especial de Mobilização para a Reforma Política do Conselho Federal da OAB.

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