A atemporalidade da carta-testamento de Getúlio Vargas


O Brasil passa por um momento histórico gravíssimo. Um golpe de Estado jurídico-midiático-parlamentar abriu a caixa de pandora da vendeta neoliberal. Está em curso o maior desmonte do Estado brasileiro que se tem notícia.

E as semelhanças são muitas com outra conjuntura trágica ocorrida há exatos 63 anos, quando forças antidemocráticas com idênticos interesses anti-povo e antinacionais levaram o presidente Getúlio Vargas a um movimento político ultrarradical de pôr fim à própria vida ao dar um tiro no peito, impedindo uma tentativa de golpe de Estado e levantando parte importante do povo brasileiro contra líderes, partidos e mídia golpistas, derrotando-os fragorosamente. Venceu a democracia e venceram os interesses maiores do povo brasileiro.

A Carta-Testamento que Getúlio nos deixou é um dos mais importantes documentos de referência política e ideológica em defesa da democracia e da soberania nacional da história do Brasil. Seu conteúdo profundo e aguerrido são ainda hoje um soco na boca do estômago dos golpistas de toda espécie.

O momento exige unidade, ação e atitude.

Ao romper com a Constituição, de modo farsesco e sem nenhum pudor, as elites golpistas lançam o país e suas instituições no rumo do imponderável. Os golpistas usurparam o governo para impor um programa antissocial e antinacional que não ousariam submeter às urnas. É por isso que se voltam contra as conquistas sociais desde a era Vargas e têm por objetivo acabar com a universalização de direitos sociais inscritos na Carta de 1988. Além de entregar o Pré-Sal às petroleiras estrangeiras, privatizar a Petrobras e outras empresas estatais e voltar a submeter o Brasil aos interesses das grandes potências, sepultando a diplomacia da última década, mundialmente reconhecida como independente, ativa e altiva.

Perda da democracia e perda de direitos. Uma regressão política, cultural e social sem precedentes.


Carta-Testamento


Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. 
Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. 
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social.  
Tive que renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. 
Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. 
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder. 
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. 
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. 
Meu sacrifício nos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.  
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate. 
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.

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