Impressões sobre a conjuntura nacional em 4 pontos, por Daniel Samam

1) Na Câmara, na Banca e na Mídia, as articulações não param e Temer desidrata rapidamente


De olho nos espaços e cargos que podem ser ocupados no governo ilegítimo e sem voto, o "Centrão" fisiológico torce pelo desembarque dos tucanos. Dificilmente os parlamentares do PSDB, de olho no pleito de 2018, principalmente os “cabeças pretas”, ou seja, os mais jovens, resistirão a uma votação que deve ser transmitida ao vivo em rede nacional. Aliás, os tucanos já anunciam que irão desembarcar do governo Temer na semana que vem, após a votação da “reforma” trabalhista.

Entre os veículos da grande mídia corporativa também não há consenso. O Estadão, representante da Burguesia Paulista (FIESP), ainda resiste no apoio a Temer. A Folha segue em cima do muro. A Aliança da Globo com a "Tigrada" - a burocracia estatal entreguista, que compreende setores do Judiciário, Ministério Público (MP) e Polícia Federal (PF) -, põe as cartas na mesa. A decisão de Janot em fatiar as denúncias em três (corrupção passiva, obstrução de justiça e organização criminosa) é parte da estratégia para sangrar Temer. O governo tentará a todo custo juntá-las, mesmo que informalmente. Temer sobrevive como pode ao jogo bruto. Declarou guerra a Janot de olho no Congresso. Temer se lixa para a popularidade ou para a opinião pública, a luta é apenas por sobrevivência. 

Sem os Tucanos, o governo perde muito, é verdade, mas por outro lado, fica cheio de espaços a serem preenchidos e os operadores do Planalto não são amadores nessa arte. Não seria surpresa alguma que o “Centrão” fisiológico, em troca de espaços de poder e verbas, dê a Temer os votos necessários para salvá-lo. Isso tudo, apenas nessa primeira denúncia, por corrupção passiva.

O problema é que com as denúncias aumentando, com a prisão de Geddel Vieira Lima e as prováveis delações premiadas do doleiro Lúcio Funaro e de Eduardo Cunha, a Câmara dos Deputados já considera o "preço" pra bancar Temer muito alto. Com isso, Rodrigo Maia (DEM-RJ) assumiria como presidente interino e não menos ilegítimo que Temer.

Rodrigo Maia tem sido muito discreto. Circula bem na política e conversa com todos. Enganam-se os que acham que Maia fará qualquer movimento hostil a Temer. Pode ser inclusive uma saída para a turma do Planalto, caso a inevitabilidade da queda se materialize.

Defensor das “reformas”, seria capaz de montar um governo de característica parlamentar muito parecido com o atual. Temer não está morto, mas seu principal adversário do momento chama-se Rodrigo Maia.

2) A nomeação de Raquel Dodge dá o tom de guerra aberta entre Temer e Janot


O anúncio da indicação da segunda mais votada na lista da PGR buscou sinalizar derrota e enfraquecimento de Janot. A procuradora Raquel Dodge foi escolhida, apesar de não ter sido a mais votada, nesta quarta-feira (28), pelo presidente golpista, Michel Temer (PMDB), para suceder o atual procurador-geral, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro. 

Os governos petistas tornaram praxe sempre nomear para a Procuradoria-Geral da República o mais bem votado de uma lista tríplice da eleição interna do órgão. Tal prática revela a fragilidade com que o PT se equilibrava no comando do aparelho de Estado. Claro que não é razoável que um Procurador-Geral seja nomeado com o objetivo de engavetar denúncias contra um governo e um grupo político, mas também não é a melhor saída a nomeação do mais votado de uma lista tríplice, como se este fosse um tipo de representação corporativa.

Os desfechos sobre o futuro do país se darão cada vez mais em torno da sobrevivência. Para a maioria dos deputados e políticos em geral, a PGR atende pelo slogan “Delenda políticos”. Os procuradores do Ministério Público (MP), liderados por Janot, atuam claramente com foco na criminalização da política, como se estes fossem os novos atores centrais da política.

3) Sobre as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que causaram alvoroço na opinião pública


Houveram muitos reclames por parte de toda opinião pública após as duas decisões do STF que libertaram o ex-deputado e ex-assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures (PMDB-SP) e devolveram o mandato de senador à Aécio Neves (PSDB-MG). Analisando friamente os dois casos, as duas decisões foram corretas e positivas para uma compreensão política da sociedade brasileira. Elas acabaram com a perniciosa ilusão de que o Judiciário iria fazer uma “faxina” na política e revelaram que o próprio STF é um órgão político, não uma espécie de "altar da Justiça". Não há atalho para mudar o Brasil se não pelo voto. Não serão juízes ou procuradores que irão mudar o Brasil. 

Há uma parte da esquerda que tem uma visão exclusivamente moral da política. Se porta de forma dúbia e/ou oportunista, dependendo da decisão e do personagem envolvido. Aécio é Senador da República eleito. Afastá-lo de forma monocrática seria um absurdo. Cometeu erros? Que responda à justiça respeitado o devido processo legal. E mais, o ministro do STF, Marco Aurélio, se manifestou contra o impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma à época. Ou seja, Marco Aurélio foi coerente em sua decisão. A esquerda precisa ter juízo. Parar de querer jogar para a arquibancada e centrar suas forças nos reais inimigos do momento: o fascismo, que busca instalar no país um estado policialesco e de toga com medidas de exceção à margem do estado democrático de direito; e a vendeta neoliberal, que desmonta o Estado social e soberano. Enquanto não entenderem isto e se agarrar a um mínimo de coerência nesta luta, continuará como "biruta de aeroporto" da opinião pública.

4) O Brasil não é um país de extremos


A pesquisa Datafolha publicada no último dia 3 de julho não revelou nada de novo. Temos 10% de eleitores de esquerda, 31% de centro-esquerda, 20% de centro, 30% de centro-direita e 10% de direita. O que a pesquisa demonstra é que quem decide as eleições, o fiel da balança, é o eleitor de centro. 

Se a esquerda tem como projeto se isolar de vez no gueto, romper com o centro político e, consequentemente, dar o poder de bandeja para a direita, e ficar apenas na oposição, uma guinada à esquerda (deve ser o sonho daqueles que achavam que as jornadas de junho de 2013 iriam forçar uma agenda de esquerda mais radical no Brasil), rechaçando qualquer aliança com o centro-conservador, é um ótimo caminho. Agora, se queremos voltar a disputar a hegemonia na sociedade brasileira, teremos que nos livrar do que Lenin chamava de "doença infantil", do esquerdismo, e voltar a dialogar de forma ampla. Não será na base do "nós contra eles" que vamos mudar a correlação de forças. Só esgarça e polariza ainda mais. Se é para eleger uma meia-dúzia de parlamentares, o discurso sectário e estreito talvez dê conta. Mas para voltar a dirigir o Brasil teremos que recompor o centro político, voltar a dialogar com o eleitor do centro-conservador com capacidade de reconhecer nossos erros do passado e conseguir formular e apontar perspectiva de futuro. 

Só conquistaremos a hegemonia da sociedade brasileira se soubermos nos unir aos que pensam diferente de nós, em torno de objetivos concretos que possibilitem o avanço das lutas sociais e do fortalecimento de um Estado de bem-estar social amplo, soberano e democrático.


Abraços, 
Daniel Samam

Nenhum comentário: