Diretrizes de um programa econômico para 2018, por José Luis Fevereiro

Publicado na Revista Socialismo e Liberdade nº 17.


Pensar um programa econômico de esquerda para 2018 passa por entender que este deve estar conectado com a luta política real em curso, travada nos marcos de um capitalismo periférico, dentro de um ordenamento jurídico adverso e cujos limites estão diretamente vinculados à correlação de forças possível de ser estabelecida neste período político. Vivemos desde a posse de Michel Temer a mais profunda ofensiva contra as conquistas da Constituição de 1988. O Estado, como garantidor de direitos universais, está sendo demolido para ser substituído pela ideia de Estado com políticas sociais focadas apenas no contingente da população que não puder garantir no mercado privado esses direitos. O desmonte da Previdência pública, o sucateamento do SUS e da educação gratuita, a progressiva redução do papel dos bancos públicos, a precarização do trabalho e o fim das políticas de conteúdo nacional nas compras da Petrobrás fazem parte dessa operação.

De uma forma geral o programa da esquerda para 2018 deve reafirmar a necessidade de um Estado nacional capaz de garantir a universalização de direitos, de assegurar transferências de renda das camadas mais ricas para as parcelas da população mais pobres, garantir condições de crescimento econômico com significativa melhoria nos índices de distribuição de renda. Enunciar estes princípios gerais é a parte mais fácil, mas a sua efetiva viabilização só será possível com a solução de alguns problemas centrais da economia brasileira, entre os quais estão a mudança radical da política monetária, com a redução da taxa básica de juros sobre a dívida pública a patamares próximos à inflação esperada, com a garantia de uma taxa de câmbio que viabilize a competitividade internacional para a nossa indústria de transformação. Mais: com uma reforma tributária que desonere produção e consumo e onere progressivamente patrimônio e renda, com a retomada de uma política de compras governamentais com prioridade para fornecedores nacionais, com o desenvolvimento de uma diplomacia comercial Sul-Sul reforçando e ampliando o Mercosul, dentro de uma compreensão de que, a partir da crise de 2008, cresce o protecionismo econômico no planeta e as barreiras comerciais dos principais blocos econômicos às importações.

O principal problema a ser enfrentado é a taxa de juros sobre a dívida pública. Responsável por 81% do déficit fiscal nominal de 2015, ela impõe um constrangimento inaceitável à capacidade de o Estado brasileiro fazer os investimentos necessários ao resgate da enorme dívida social do país. A sustentabilidade da dívida com esta taxa, hoje em mais de 7% de juros reais ao ano, descontada a inflação esperada, só é possível com a geração de enormes superávits fiscais primários. Derrubar a taxa de juros, no entanto, não é apenas um ato de vontade política. O Banco Central fixa a meta da taxa de juros, mas é necessário que os agentes econômicos confiem em que a moeda nacional continuará cumprindo seu papel de reserva de valor e não será corroída por processos inflacionários descontrolados. Para isso é necessário que outros mecanismos de controle inflacionário sejam usados. Sobrevivem no Brasil mecanismos de indexação que projetam para a frente a inflação passada, em geral atrelados à defesa do capital e do patrimônio. Serviços públicos concessionados à iniciativa privada, como coleta de lixo, transporte público e pedágios, têm clausulas de reajuste anual e mesmo contratos de aluguel de 30 meses têm clausulas de reajuste anual atrelado a índices inflacionários, enquanto o capital tenta desindexar salários, pensões e benéficos sociais do salário-mínimo. Este é um dos cenários mais ocultos da luta de classes, onde um dos lados tenta manter sua renda perfeitamente indexada, enquanto clama pela desindexação da renda do outro.

Da mesma forma mecanismos de regulação da liquidez da economia podem ser usados, como os depósitos compulsórios sobre depósitos à vista nos bancos. Não se deve imaginar que a disputa em torno da taxa de juros seja de fácil resolução, porque envolve enormes interesses do setor financeiro e de parte do setor produtivo brasileiro que tem uma parcela do seu lucro ancorado em receitas financeiras. A força política, a capacidade de enfrentamento e o poder de chantagem desses setores não podem ser menosprezados.

Um segundo ponto a ser enfrentado é a taxa de câmbio capaz de garantir a competitividade da indústria transformadora brasileira. Desde 1994 temos convivido recorrentemente com uma taxa de câmbio sobrevalorizada, responsável pela desagregação do parque industrial brasileiro. De um lado pelos saldos comerciais elevados produzidos pelos altos preços alcançados pela exportação de produtos primários em boa parte do período, e de outro pelo enorme diferencial da taxa de juros interna para a taxa média internacional, servindo como estímulo à entrada de capitais especulativos de curto prazo. Os salários médios da indústria são mais do dobro dos salários do setor de serviços, excetuando comércio, e cerca do triplo dos salários do comércio. Mecanismos de controle do fluxo de capitais, que tanto podem ser pela via da centralização do câmbio, como pela via de imposição de mecanismos de quarentena, como os adotados no Chile, e capacidade de acumular reservas internacionais sem que isso resulte em ampliação dos déficits do Orçamento, o que pressupõe ter equacionado a questão da taxa de juros, são essenciais para garantir que o Brasil deixe de ser o parque de diversões do capital especulativo internacional.

O terceiro ponto é a necessária reforma tributária. No Brasil, a maior parte dos impostos e contribuições é indireta, incidindo sobre produção e consumo, como o IPI, o ICMS, o ISS e outros, penalizando proporcionalmente os mais pobres. Os impostos diretos sobre a renda e a propriedade - Imposto de Renda, heranças, Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), IPTU e IPVA - respondem pela menor parte da arrecadação fiscal, na contramão de todos os países do G20 e da OCDE.

A progressividade máxima do Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%, enquanto nos EUA é de 39,6%. A alíquota máxima do Imposto sobre Heranças é de 8% e na média é de 3,86%, enquanto nos EUA a alíquota máxima é 45% e a média 29%; na Inglaterra, a alíquota média chega a 40%.
O Brasil é, desde 1995, um dos únicos países do mundo em que distribuição de lucros e dividendos é isenta de Imposto de Renda. Estudo do IPEA de 2015 mostra que esse imposto tinha potencial arrecadatório de R$ 43 bilhões.

Aumentar a progressividade do Imposto de Renda, restabelecer a cobrança do IR sobre a distribuição de lucros e dividendos, instituir um imposto federal compartilhado com os estados sobre heranças, a forma eficiente de se tributar grandes fortunas, com alíquotas fortemente progressivas, são os rumos a serem seguidos.

O quarto ponto é redimensionar o papel dos bancos públicos: BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica, reafirmando o papel do primeiro como agência de fomento e principal agente do financiamento de investimentos de longo prazo, seja no Brasil, seja na exportação de bens e serviços, e o papel do BB e da Caixa para além do financiamento agrícola e imobiliário, que já os caracterizam como concorrentes dos bancos privados no crédito ao consumo.

O sucesso da política monetária em reduzir os custos da dívida pública, da reforma tributária em financiar de forma adequada e mais justa o Estado e o crescimento da atividade econômica decorrente do sucesso dessas medidas dará à União capacidade orçamentária para ampliar seus investimentos em infraestrutura e financiar adequadamente os gastos da União, recuperando plenamente seu papel como garantidor dos direitos sociais básicos.

Para um partido socialista, que se propõe a superar a sociedade de classes, este pode parecer um programa recuado e insuficiente. Para as condições objetivas em que se trava a luta política no Brasil, se em quatro anos parte razoável deste programa tiver sido implementado será uma vitória de dimensões históricas das classes trabalhadoras.


José Luis Fevereiro é economista e dirigente nacional do PSOL.

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