"Ensino Fundamental no RJ: falso dilema", por Waldeck Carneiro


Desde o primeiro governo de Sérgio Cabral (2007-2010), propagou-se, no seio da administração pública estadual no Rio de Janeiro, uma falsa e oportunista interpretação da legislação educacional brasileira, no tocante à oferta do ensino fundamental, até então única etapa obrigatória da educação básica. Buscava-se disseminar a ideia de que o ente estadual não teria mais compromisso com a garantia de vagas no ensino fundamental, ficando sua responsabilidade adstrita ao ensino médio. Entretanto, essa atitude de esquiva nunca teve amparo legal, pois a Constituição Federal (1988), a Constituição do Estado do Rio de Janeiro (1989), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e a Lei que instituiu o Sistema Estadual de Ensino do RJ (2005) são absolutamente cristalinas, quando afirmam o princípio da colaboração entre os entes federados, no que tange à oferta de educação, mormente quando se trata de etapa obrigatória de escolaridade. Esse mesmo arcabouço legal também atribui aos estados a competência de “assegurar” a oferta de ensino fundamental, em colaboração direta com os municípios, de forma planejada, equilibrada e proporcional. 

Assim, é evidente que o Estado do RJ não pode obrigar nem induzir as municipalidades fluminenses a assumir todo o ensino fundamental, mediante processos de municipalização constrangedores, autoritários e desprovidos de base legal, em que a autoridade estadual impõe suas vontades face aos municípios, muitos deles ainda claudicantes na oferta da educação infantil. Cabe destacar que pretendo enfatizar aqui a oferta do segundo segmento do ensino fundamental, visto que a oferta do primeiro segmento do ensino fundamental na esfera pública já é assegurada, quase integralmente, pelas redes municipais. Cabe também sublinhar que os municípios, desde o ano passado, por força da Emenda Constitucional nº 59/09, estão confrontados a um novo desafio, qual seja, a obrigatoriedade de matricular crianças dos 4 aos 5 anos, faixa etária correspondente ao pré-escolar, período da educação infantil que se tornou obrigatório (assim como o ensino médio), tanto quanto o ensino fundamental. Não se trata aqui de desqualificar a priori a municipalização do ensino, especialmente na educação infantil e no primeiro segmento do ensino fundamental. Mas a oferta de vagas na faixa dos 11 aos 14 anos precisa ser objeto de planejamento articulado entre a Secretaria de Estado de Educação do RJ e as secretarias municipais de educação.

Enfim, as autoridades estaduais devem assumir sua cota de responsabilidade em relação ao segundo segmento do ensino fundamental, sem fazer disso um conflito insanável, prejudicando alunos, docentes e famílias. É claro, também não podem abandonar suas escolas, quando não conseguem enfiá-las “goela abaixo” dos municípios, como ocorreu com várias unidades em Niterói, município que vem fazendo esforços contínuos de ampliação de vagas em sua rede própria, além de se ocupar de escolas estaduais literalmente abandonadas em seu território. Não cabem mais subterfúgios nem falsos dilemas: os integrantes do governo estadual afetos à questão precisam, portanto, rever seus apontamentos acerca da legislação educacional brasileira, federal e estadual. Se for necessário, pode-se desenhar a explicação sobre as atribuições dos estados nessa área. Não se pode é negar o sagrado direito à educação!


Waldeck Carneiro está Deputado Estadual (PT-RJ) e é Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.

Nenhum comentário: